Livros de caráter épico, medieval e fantasioso compõem um gênero bastante caprichoso. Enquanto a literatura das criaturas mágicas - aqui entendida como categoria a que pertencem Crepúsculo, Sussurro, Cidade dos Ossos e outros títulos - e a biblioteca mundial dos thrillers parecem enfrentar um crescimento constante, recebendo novas autores a cada dia, a lista de romancistas imortalizados por narrativas épicas é um pouco mais seletiva. Quando se pensa no gênero, alguns nomes invariavelmente surgem em destaque: Tolkien, Cornwell, Lewis. É raro ver um escritor gravar o próprio nome na calçada da fama dos grandes admiradores das histórias medievais, justamente porque produzir tais parábolas é uma tarefa árdua e dificultosa. Entretanto, creio que não há dúvidas: segundo a opinião geral, George R. R. Martin idealizou e realizou o que pode ser uma das maiores obras épicas de todos os tempos, adentrando o seleto grupo de mestres da fantasia medieval.
Eu jamais conseguiria reduzir a história de Game of Thrones, o primeiro livro da série A Song of Ice and Fire, em um único parágrafo. A obra parece girar em torno do eixo Stark - Baratheon - Lannister, três grandes casas e famílias pertences à época em que o enredo de Martin se desenvolve. Todavia, eu me percebo impossibilitado de apontar um acontecimento específico que guie a história, desempenhando papel semelhante ao de um assassinato nos livros de Agatha Christie. Game of Thrones fala de honra e dever, conduta e renúncia, disputa e morte. Eddard Stark vê-se movido a investigar a morte de Jon Arryn, mas ao mesmo tempo precisa cumprir suas obrigações como braço direito do rei Robert Baratheon e preparar seu sucessor Robb para o reinado do garoto em Winterfell. E é sempre assim: cada personagem - e são muitos - está envolvido em três ou quatro conflitos diferentes, mergulhado em uma pluralidade assustadora de obrigações, armadilhas e problemas.
Varys gave the king an unctuous smile and laid a soft hand on Ned's sleeve. "I understand your qualms, Lord Eddard, truly I do. It gave me no joy to bring this grievous news to council. It is a terrible thing we contemplate, a vile thing. Yet we who presume to rule must do vile things or the good of the realm, howevermuch it pains us."
Ocorreu uma coisa perigosíssima com Game of Thrones, provavelmente graças à adaptação televisiva que a HBO fez da série: os livros de Martin passaram a ser superestimados. Esse processo deu-se também com Jogos Vorazes e com uma grande legião de exemplos da literatura universal: uma aura de suposta excelência ergueu-se ao redor da trama, de maneira que o leitor bem-informado há de ter suas expectativas elevadíssimas pela infinidade de resenhas positivas feitas. Não é como se todo mundo estivesse mentindo, na verdade: o que me parece é que chegamos a um ponto em que as pessoas ficam receosas de apontar os defeitos de Game of Thrones. Se há tanta gente falando bem, então os aspectos que me incomodaram da publicação são provavelmente fruto de um erro de interpretação, certo?
Errado. Eu, por exemplo, me vejo obrigado a nadar contra a correnteza de elogios. Não digo que o livro foi um tédio do início ao fim, mas também mentiria se afirmasse que a obra de George se estabeleceu como uma das melhores coisas que eu já li na vida. Realço humildemente que não costumo ter contato com a literatura épica, de forma que o que parece errado aos meus olhos pode ser muito bem fruto de falta de intimidade com o gênero. De uma forma ou de outra, a minha opinião é apenas mais uma na multidão, e dá-la a vocês não doerá muito. Assim, aponto o que me incomodou: em primeiro lugar, o número absurdamente grande de personagens. Eu sei que todos têm pai e mãe na vida real, mas é realmente necessário passar isso para um livro? Martin faz questão de nos presentear com toda a árvore genealógica da época, vasta e talvez nem tão útil. Recomendo que o leitor não tente decorar os nomes de todos os atores que aparecerem. É impossível.
"Yes," Robb said with such hope in his voice that Bran knew he was hearing his brother and not just Robb the Lord. "Mother will be home soon. Maybe we can ride out to meet her when she comes. (...) And afterward, we'll ride north to see the Wall. We won't even tell Jon we're coming, we'll be just be there one day, you and me. It will be an adventure."
O fator supracitado, ao meu ver, é uma erva daninha no jardim das intenções do autor. Há certos conflitos psicológicos brilhantes na história: Jon, por exemplo, é o filho bastardo de Eddard, mas sente uma necessidade homérica de honrar o pai, provando-se digno de sua confiança e de seu respeito. Os conflitos entre honra, dever e ímpeto - fazer o que o meu posto exige ou o que meu coração manda? - também são estupendos, e os momentos em que o autor se permite explorá-los são incrivelmente marcantes. Não obstante, com tantos personagens e tantas histórias se desenvolvendo em paralelo, eu simplesmente não consegui me apegar a ninguém. Quando eu desenvolvia certo apreço para com algum membro da história, passavam-se quatro ou cinco capítulos sem que o indivíduo desse sinal de vida, e isso me aborreceu um pouco.
When Jon had been Bran's age, he had dreamed of doing great deeds, as boys always did. The details of his feats changed with every dreaming, but quite often he imagined saving his father's life. Afterward Lord Eddard would declare that Jon had proved himself a true Stark, and place Ice in his hands. Even then he had known it was only a child's folly; no bastard could ever hope to wield a father's sword.
De uma forma geral, Martin tem atributos dos quais se ufanar: o amadurecimento precoce das crianças, a ilustre guerra dos tronos e o trabalho realizado pelo autor para a criação de todo um mundo de crenças e particularidades são notáveis. A impressão que eu tenho é a seguinte: você pode terminar o livro perdido, mas terá a certeza de que George R. R. Martin conhece cada mínimo detalhe da trama que desenvolveu, sem que uma única fagulha escape. O autor é, digamos assim, o verdadeiro dono do universo que criou. A parte final do livro é excelente e agitada, e o gancho que dará impulso para A Clash of Kings, o segundo livro da série, é igualmente formidável. O conjunto da obra não me deixou inconcebivelmente ansioso para ler a continuação, mas tenho certeza de que os fãs do gênero encontrarão em Game of Thrones um banquete literário.
Quanto a mim, eu digo que a experiência valeu a pena. Durante oitocentas e poucas páginas, fugi da minha zona de conforto, e isso é o suficiente. Peço perdão por não ter me apaixonado pela obra, mas... o que posso fazer? Caíque também leu o livro - mas em português - e, daqui a alguns dias, vocês conferirão a análise dele. Peço-lhes que abracem nossas divergências, pois elas são a graça da coisa.
A dozen other men all spoke at once, clamoring to be heard. Tyrion found it disheartening to realize so many strangers were eager to kill him. Perhaps this had not been such a clever plan after all.
Título: Game of Thrones.
Autor: George R. R. Martin.
Editora: Bantam Books.
Número de páginas: 835 + o primeiro capítulo de "A Clash of Kings", a continuação.
Avaliação: 4 de 5.
Tive que concordar com tudo.
ResponderExcluirAgora já sabem porque eu quis trocar esse livro com o Caíque. Não porque ele fosse ruim, mas porque eu estava com as expectativas elevadas ao máximo e ele me frustrou.
Por isso, repito, não é o tamanho de um livro e nem a sua reputação, mas o seu conteúdo que nos faz gostar dele.
Eu gostei muito da série , e não vou dar uma de louco aqui , cada um tem sua opinião e um gosto literário diferente , talvez em alguns aspectos como você mesmo disse Martin não tenha impressionado você , quando li esse livro (no meu ponto de ver) achei ele fantástico , porém como você também citou , que os personagens que você toma uma certa afeição somem e aparecem depois de tempo (no caso da Fúria dos Reis ou Clash of Kings) senti no começo falta da Dany e isso me não me deu aquela vontade de ler , simplesmente leio frenquentemente porque sei que a parte que irei não será a que eu queria. E claro o esquema de casas e famílias para alguns é chato mesmo , mas eu como gosto disso (História e etc.) acho magnífico .
ResponderExcluirAlguns boatos me disseram que a Dance of Dragons (?) será falado do passado (na Era Targaryen) , você acharia legal um livro falando do passado? Quero saber sua opinião;
@Michele W.
ResponderExcluirUltimamente Michele estou comprando livros pela capa (porque ás vezes falta um pouco de critério e também tentar vale a penas (em alguns momentos))
Ilustre Robledo, há quanto tempo não passo por aqui para deixar um comentário... Puxa vida! Minhas desculpas, porque suas resenhas merecem, sem eufemismos.
ResponderExcluirEstava ansiosa para ler, enfim, as suas impressões. E olha, devo concordar com a grande maioria das coisas. Acho que, no período inicial, senti-me no dever de gostar de "A Guerra dos Tronos" e achar a obra incrível, blábláblá. Iniciei a leitura e, se não me falha a memória, foi o livro que me custou mais tempo no ano passado, cerca de umas duas semanas - o que até achei pouco, tendo em vista sua quantidade maçante de informações e nomes facilmente esquecidos). Apreciei a história, a grandeza de cada grande núcleo e tudo o mais. Entretanto, passado o entusiasmo inicial, especificamente quando dei início à leitura de "A Fúria dos Reis", alguns meses depois do primeiro, percebi, por exemplo, o quão pouco eu sabia do sem-número de nomes que nos eram apresentados. Também achei a história mais enfadonha, cada capítulo custou a passar e realmente não sei se foi meu estado literário, ou a realidade, mas achei Martin bem menos atraente na continuação. E de pensar que serão 7 bíblias... Espero dar conta de tudo. hahaha
Em tratando-se de apego às personagens, desenvolvi um certo favoritismo por Jon e por Arya, toda a questão sentimental envolvida neles me embalou verdadeiramente.
Lembro de um artigo da Veja que li a respeito da superioridade recém-adquirida de "As Crônicas de Gelo e Fogo" em relação a "O Senhor dos Anéis". Mas discordo, porque apesar de serem obras bem diferentes, pertencem basicamente ao mesmo gênero e ainda prefiro o tradicional e não menos imponente e maestro dos épicos, Tolkien.
Beijos,
Ana - Na Parede do Quarto
Mais uma das resenhas honestas que sempre me trazem aqui =)
ResponderExcluirEstou esperando o meu exemplar chegar, amigo, e estou com as expetativas moderadas. Quando li O Silmarillion também notei o número enorme de personagens, até chegar a um ponto em que em não lembrava mais quem era quem, em alguns casos, de forma que preciso ler de novo.
Acredito que na TV, isso funcione melhor - a exemplo de Lost, que tinha 14 protagonistas, cada um com seus contato fora e dentro da ilha ^^
Leste em inglês? U-a-u! Este seria o desafio do ano pra mim *.*
Aguardando vocês lá no blog =)
Beijos, Robledo e Caíque
=**
This
@Yuri Kamarowski Sobre a questão de um livro falando do passado: acho que eu gostaria disso mais como uma obra extra, algo que só precisasse ser lido por quem estivesse interessado. Se fosse para interromper a cronologia e continuá-la logo depois, eu acho completamente desnecessário. Ao meu ver, seria uma reprodução, em escala maior, do problema que apresentei na resenha: já é difícil se apegar aos personagens e acompanhar o fluxo da história - imagina se tudo fosse interrompido por 900, 1000 páginas, pra que novos membros e novas tramas brotassem?! Eu não me daria muito bem com isso, não!
ResponderExcluirGrande abraço e obrigado a todos pelas valiosíssimas opiniões.
Eu já li este primeiro livro, e confesso que no começo não me empolguei para lê-lo. Mas a partir de uma determinada parte, ficou emocionante e quando acabou, fiquei louca para ler o resto! Agora quero pegar o segundo livro da série emprestado com um amigo meu, para poder continuar a ler! Risos.
ResponderExcluirEu não me apeguei a nenhum personagem, mas demonstro um favoritismo pelo Jon, Arya e pelo Tyrion.
Gostei bastante da sua resenha, parabéns!
Olá, Robledo!
ResponderExcluirNão tenho como opinar diretamente sobre a série (em livros) porque ainda não tive a chance de ler nenhum dos livros já publicados. E, confesso, não me sinto extremamente instigada em realizar esta leitura. Não sei, apenas não me sinto-me atraída o suficiente, embora a maioria das pessoas amem a saga, e a elevem como uma das melhores da atualidade. E não duvido disso, apenas não tenho interesse em conferi-la, por hora.
Sua resenha, claro, sempre bem completa e caprichada. Você escreve muito bem, e sua capacidade de avaliação é impressionante. Parabéns! E, ah, tudo bem por você não ter caído de amores pelo livro. Nem tudo nesta vida consegue agradar a todos igualmente, não é mesmo?
Ficarei a espera da avaliação do Caíque. ;)
Um abraço!
http://universoliterario.blogspot.com/
Gostei do modo como abordou o tema em sua resenha, clara e sem politicagem!
ResponderExcluirQuanto ao livro, me pareceu intrigante.
Estou seguindo aqui, e lhe convido a conhecer o Clube dos Novos autores, segue a gente?
Um grande abraço!