terça-feira, 30 de julho de 2013

[Resenha] Robin Sloan - A Livraria 24h do Mr. Penumbra

Festina lente.
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Lançado em abril desse ano, "A Livraria 24 horas do Mr. Penumbra" pareceu uma boa aposta de leitura de nossa parceira, a editora Novo Conceito. Em um contexto que mixa tecnologia, conspirações e bibliofilia, a proposta ao mesmo tempo que animava, causava uma certa curiosidade maior exatamente por sua temática. Afinal, tecnologia é um assunto tão recorrente nos dias de hoje que permanecemos ávidos por novidades. E literatura chega a ser redundante comentar, porque antes de sermos blogueiros, resenhistas e parceiros de editoras, somos leitores. A abordagem de tal paixão pelos livros e todo o mundo que os envolve atraiu, de modo instantâneo, minha atenção.
Há coisas estranhas e misteriosas acontecendo na Livraria 24 horas do Mr. Penumbra.
A recessão econômica obriga Clay Jannon, um web designer desempregado, a aceitar um trabalho em uma livraria 24 horas. A livraria do Mr. Penumbra – um homenzinho estranho com cara de gnomo. Tão singular quanto seu proprietário é a livraria onde só um pequeno grupo de clientes aparece. E sempre que aparece é para se enfurnar, junto do proprietário, nos cantos mais obscuros da loja, e apreciar um misterioso conjunto de livros que Clay Jannon foi proibido de ler. Mas se há um mal que alucina um atendente desesperado, esse é a curiosidade.
Mas eu insistia com os anúncios de emprego. Meus padrões estavam caindo rapidamente. No início, insisti que só aceitaria trabalhar numa empresa que tivesse uma missão na qual eu acreditasse. Depois, achei que estaria tudo bem se pelo menos eu estivesse aprendendo algo novo. Ainda depois, decidi que só não podia ser uma empresa do mal. Agora, estava revendo com cuidado a minha definição de “do mal”.
O interessante do contato de extremos da bibliofilia e da tecnologia é que não há superficialidade ao tratar do assunto. Robin é detalhista sem ser enfadonho, citando maquinários conhecidos, promissores, futuristas – talvez nem tanto, pois não sabemos se realmente já existem – e a relação das pessoas com esse universo nos dias atuais. Apesar de não estampar a mensagem da dependência tecnológica, notamos que a narrativa é tão contemporânea, verídica e cotidiana que boa parte dos personagens cresceram com essa evolução como a geração de hoje, sendo levada a se atualizar constantemente.
Seu acervo é eclético. Não há indício de padrão ou objetivo além de, imagino, seu próprio gosto pessoal. Então, não há adolescentes feiticeiros nem vampiros policiais aqui. É uma pena, pois é exatamente o tipo de loja que dá vontade de comprar um livro sobre um mago adolescente. É o tipo de loja que faz você querer ser um mago adolescente.
Clay é um protagonista basicamente... Básico. Sem nada extraordinariamente notável para comentar. O único feito que justica seu foco do enredo é sua curiosidade ao olhar os volumes que fora proibido de ler, o que já era esperado por ser o plot da história. Os outros personagens tampouco se destacam, pois o enredo não demanda um aprofundamento em quaisquer um deles que dure mais que o necessário para formarmos um perfil raso. A impressão que tive durante a leitura era de ler uma crônica, atual até as raízes, onde até mesmo os relacionamentos são idênticos aos que compartilho e conheço no meu dia-a-dia, o que não foi um ponto negativo.
Quando eu era criança e lia romances de fantasia, sonhava acordado com feiticeiras gostosas. Nunca imaginei que fosse conhecer uma de verdade, mas só porque eu não tinha me dado conta de que os magos iam caminhar entre nós e trabalhar no Google. Agora estou no quarto de uma feiticeira gostosa e estamos sentados em sua cama, tentando resolver um problema impossível.
Os personagens me cativaram? Não. Porém seria um lapso de minha parte me abster de sua interação interna, nunca mal fundamentada, desnecessária ou fantasiada. A escrita do autor é madura e, ao mesmo tempo, simples, sem devanear nos abstratos que o popular “encher linguiça” conhece bem. Tudo é proposital, as pontas são amarradas e a leitura, movida pela curiosidade – tanto a nossa, quanto a de Clay – segue sem interrupções de ritmo ou falta de qualidade em tal sentido.
[...] Será que todos compraram Kindles?
Eu tenho um, e o uso na maioria das noites. Sempre imagino os livros olhando e sussurrando: Traidor!
Exceto a curiosidade pré-requisita de qualquer leitura que valha a pena, não fui motivado a prosseguir, devorar capítulos ou algo do tipo. Sloan não pareceu preocupado em deixar o ledor ávido por mais e mais e seu objetivo soa em apenas querer de contar uma história. Através de descrições expansivas e que fizeram minha atenção se perder por algumas vezes, ele segue o desvendar do segredo do Mr. Penumbra e cia.
- Festina lente – diz muito diretamente.
Neel respira fundo e eu sei exatamente o que aquilo significa. Significa: Esperei minha vida inteira para entrar por uma passagem secreta escondida atrás de estantes.
Aliás, uma coisa que me incomodou bastante foi a tradução desse pronome de tratamento. Trazendo para nosso idioma outros termos, optaram por manter o “mister” (Mr.) quando “senhor” (Sr.) ficaria muito mais apropriado. O “optaram” está no plural, já que a escolha do título, ao contrário do insumo textual, é responsabilidade maior do crivo dos altos calões da editora que do tradutor em si. E logo Penumbra escalou-se como meu personagem favorito. Não importa o quanto me corrijam, para mim será sempre Sr. Ajax Penumbra.
[...] acho que podemos ser descritos assim, não como empresa, mas pelo menos como algo novo em formação. Somos uma pequena Aliança Rebelde, e Penumbra é nosso Obi-Wan.
A empolgação com inúmeras referências e narrativas inteiras que se norteiam em aparelhos, sites, redes sociais e afins, utilizados em nossa rotina é impossível de controlar, principalmente se você é fã de tecnologia como eu. Assim como todo o universo bibliofílico murmurando por trás de cada parágrafo, respirado por nossa grande maioria de blogueiros literários. Era o transporte da tradicional experiência de se ler para uma livraria aconchegante de iluminação estratégica, estantes abarrotadas que sobem até não se ver mais e poltronas que não nos soltam sob o pretexto do “vai, lê só mais um capítulo”. Esse reconhecimento ajudou e muito a elevar meu prazer de acompanhar o enredo.
- Não sabia que gente da sua idade ainda lia livros [...] Eu tinha a impressão de que liam tudo em seus telefones celulares.
- Nem todo mundo. Há muita gente que, o senhor sabe... Gente que ainda gosta do cheiro de livros.

O cheiro! [...]
A diagramação da Novo Conceito raramente falha e esta não seria uma exceção à regra. O espaçamento apropriado não cansa a leitura por longos períodos de tempo, o material externo é resistente e bem ornamentado, com recortes do título imaculadamente envernizados na capa e lombada. A tipografia, com variação de fonte para o titulo e o nome do autor ao lado da numeração das páginas otimizou o padrão criado. Ao olhar para as páginas, o conjunto visual é coeso e nada agressivo, sem florear e tampouco simplificar demais.
Tudo isso parece desagradável, e é mesmo. E me sinto terrível por que, se você voltar a história passo a passo, verá que tudo é minha culpa.
Robin Sloan
Um dos mais destacáveis resgates que pude fazer do desenvolvimento do texto é a facilidade com que tudo pode ser resolvido atualmente. Basta um clique e uma equação vai a baixo, um estudo simplório é traduzido aos mais desconhecidos dialetos e um momento íntimo, como a primeira risada de um bebê, é transmitida para o mundo inteiro. Estamos sem perceber dando chance à perda da graça das coisas. Tudo está tão escancarado, esmiuçado e facilitado que empenhos árduos –  e de alguma forma recompensantes – tornam-se sem sentido. Para muitos, isso acaba sendo a ausência da razão de uma vida inteira de crenças, de investimento mental e a frustração de ver a tecnologia tomando esse papel de desmistificar em segundos o que se dedicou todos os seus anos é tratada de maneira emocionante, real e que toca exatamente na ferida cibernética que não se manifesta dentro de nós.
Sua vida deve ser uma cidade aberta, saiba quais são e deixe claros todos os modos de se entrar nela.
Um balanço geral me faz categorizar o livro em uma leitura média, com pontos altos bastante valorosos e outros sem holofote algum. Uma história divertida, entretêm e interage com o leitor no aspecto do reconhecimento da tecnologia em nossa vida, porém abrindo mão de um aprendizado e outro, não cria em quem lê aquela necessidade absurda de saber seu fim. E vocês sabem, há coisas que são impossíveis de explicar ou transpassar em uma resenha, então encorajo a leitura para todos configurarem sua própria conclusão. Aproveitem, pois a livraria fica aberta o dia inteiro e nunca se sabe o que encontrarão por lá. Festina lente.
- [...] Na realidade, alguns deles estão trabalhando muito duro.
- O que eles estão fazendo?
- Meu garoto! – disse ele, com as sobrancelhas erguidas. Como se nada pudesse ser mais óbvio: - Eles estão lendo.
Título: A Livraria 24 horas do Mr. Penumbra.
Autor: Robin Sloan.
Editora: Novo Conceito.
Número de Páginas: 288.
Tradução: Edmundo Barreiros.

6 comentários:

  1. Ooi! *-*
    Tenho certeza que vou ler todas as resenhas que ver por aí de Penumbra <3, afinal, eu quero que o mundo todo leia e goste. Eu e minha mania de querer contagiar os outros com o que gosto... Hahahaha. Percebi que sua animação com ele não foi das maiores, mas fico feliz que tenha gostado! A história não é mesmo dessas que mexem com a gente, mas a ideia do autor foi ótima! Queria mesmo que os personagens fossem mais ... profundos, também achei isso meio ruim, agora que você falou.
    Bom, é isso =)) Fico feliz que tenha lido =DD
    Beeeijo, Nanda

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  2. Oi!!
    Como sempre a resenha está maravilhosa e dessa vez conheci uma nova palavra (ledor). rsrsrs
    O livro não me empolgou muito, principalmente pelos personagens. Acho que eles são normais demais. rsrsrs
    Gostei muito dessa relação com a tecnologia e também achei interessante a discussão entre e-book e livros físicos que é realmente muito atual. Ainda prefiro o físico, mas o e-book está tomando conta.
    Eu queria que a fonte realmente existisse. Fiquei curiosa pra saber como ela seria. *-*

    Beijos,
    Gabi Lima
    http://livrofilmeecia.blogspot.com.br

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  3. HAHAHA, não acredito que postou sobre o ledor xD
    Também achei-os normais demais, porém depende da leitura para isso ser um ponto positivo ou o inverso.. Esse precisava de algo a mais para eles mesmo :\
    Gosto da ideia de cooperação de e-books e livros físicos, sendo útil em suas funções relacionadas. Um bom exemplo é quando a série de livros brochura lança spin-offs ou volumes-guia só em e-book, que é mais prático do que mobilizar toda uma nova produção. Não vejo uma competição em si, mas sim, também prefiro o bom e velho capa-página-cheiro-contra capa .)
    Pesquisei sobre a fonte todo curioso e nada... Mas tem uma Aldus, chegou a ver? Obrigadão por ainda comentar aqui (; Bjo grande!

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  4. Também me sinto nessa obrigação, Nanda, principalmente com relação a livros. Até os que não gosto, mas sei que tem gente que gostará se ler... Vamos contagiar, então xD Fico ainda mais feliz de ter seguido seu conselho e avançado esse à frente da fila de leitura, junto com o "Bruxos e Bruxas". Independente do saldo, não dispenso experiências literárias como essas, ainda mais se tratando da lindona Novo Conceito. Obrigadão por ainda comentar nessa terra sem lei! Bjo grande ;)

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  5. Oi, Caíque!

    Gostei muito dos quotes que você escolheu, e apesar dessa coisa meio... Não sei, parada?, que você disse do livro, de não instigar a ficar lendo maisemaisemaisemais, é o tipo de livro que eu com certeza gostaria de ler!
    Gostei pra caramba da resenha e da sinceridade.

    Beijos,
    hangoverat16

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  6. Amo escolher as quotes durante a leitura, Leeh, já se tornou um ritual indispensável! Apesar dos pesares, vale a pena investir nessa leitura tão particular que a NC trouxe para cá, aproveite bastante e depois me conte o que achou ;) Obrigado pelos elogios e comentários, um beijo!

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