Responda mentalmente as seguintes perguntas:
1) O que você faria se surgissem chifres em sua cabeça?
2) O que você faria se, repentinamente, todas as pessoas que o conhecem começassem a lhe confessar seus pecados mais sórdidos e suas intenções mais obscuras?
3) O que você faria se a pessoa que você mais ama fosse brutalmente estuprada e assassinada, e todos acreditassem que você é o autor de tais fatalidades?
Em O Pacto, as três situações acima desabam, simultaneamente, sobre a cabeça da mesma pessoa. Ignatus Perrish - cujo sobrenome curiosamente lembra a palavra inglesa perish, que pode ser traduzida como perecer - acorda, depois de uma noite turbulenta, com dois chifres pontiagudos brotando de suas têmporas e um poder assustador de fazer com que todos ao seu redor discorram despreocupadamente sobre seus próprios pecados.
O interessante é: nenhum diabo brota das profundezas subterrâneas e diz a Ignatus (chamado desde o começo do livro de Ig) que ele foi escolhido para realizar uma missão infernal. Nenhum súcubo aparece subitamente no sofá de Ig e lhe dá uma explicação razoável a respeito dos chifres e do poder de persuasão destes. O rapaz simplesmente acorda, de ressaca, com duas estacas malignas pulando para fora de sua testa.
E, é claro, como não poderia deixar de ser, Ig descobre seus "poderes" da pior maniera possível: ouvindo uma confissão negativa de alguém por quem ele tem certa afeição. Glenna, a garota com quem Ig está saindo, surge com as seguintes palavras:
- Ontem à noite ele estava no bar e, depois que você desapareceu, me pagou uma bebida. Eu não falava com Lee há séculos. Tinha me esquecido de como ele é bom de papo. Você conhece o Lee. (...) Me empolguei e paguei um boquete para ele ali mesmo, com uns carinhas olhando e tudo. Eu não fazia nada tão maluco desde que tinha uns 19 anos e me enchia de anfetaminas.
Esse é um bom momento para falar da linguagem do livro. Joe Hil - que mais tarde descobri ser o filho de Stephen King - decora O Pacto com uma linguagem crua, curta e grossa, cheia de palavrões e termos que alguns podem chamar de obscenos. Contudo, também vale a pena destacar a impressionante capacidade descritiva do autor, que me lembrou bastante as descrições de A menina que roubava livros. Vejam um exemplo no qual Hill mescla o concreto e o abstrato, o personagem e o ambiente:
Os movimentos extáticos das chamas o hipnotizavam. Ficava maravilhado com os rodopios das faixas e com o movimento das brasas alaranjadas que caíam, com o gosto amargo e rascante do vinho, que afastava seus pensamentos como um solvente removendo a tinta. Puxava o cavanhaque insistentemente, feliz com ele, como se o cavanhaque tornasse seu cabelo escasso mais aceitável.
De qualquer forma, voltemos à história: assim que percebe que os chifres em sua cabeça não são uma alucinação, Ig faz o que qualquer pessoa normal faria: procura apoio nos amigos, na família e na igreja. Entretanto, Ig é surpreendido por discursos odiosos de todos que supostamente o amavam. Ele passa a conhecer sua verdadeira família, aquela que o considera o assassino sangue-frio de Merrin - a namorada de Ig, brutalmente estuprada e largada para morrer no meio de uma mata.
Joe Hill, autor do livro |
Com o decorrer da história e a insistente permanência dos chifres em suas têmporas, Ig se depara com um tormento ainda maior: a confissão de Terry Perrish, seu irmão, revelada sob influência dos chifres, pode ser capaz de ajudar Ig a encontrar e acertar as contas com o verdadeiro assassino de Merrin. É aí que ele parte em busca da verdade e da comprovação de sua inocência - claro que tudo não vai ser tão fácil!
A trama de O Pacto se divide em cinco partes: Inferno, Cereja, Sermão de Fogo, O Predestinado e Evangelho segundo Ig e Keith - todas dentro do mesmo livro, é claro. Cada uma mostra uma época diferente da vida de Ig e daqueles que o cercam, e o conjunto da obra mostra que, ao nosso lado, podem morar homens tão ruins quanto o diabo. Vale ressaltar que as cinco partes não estão em ordem linear: enquanto Inferno mostra um Ig que vive seus dias um ano após a morte de Merrin, com vinte e tantos anos de idade e dois chifres enormes na cabeça, Cereja (minha parte favorita) mostra outro Ig, um adolescente de quinze anos ansioso por agradar o grupo que o cerca e por impressionar seus colegas.
O Pacto é, em suma, um suspense envolvente e imprevisível, ideal até para quem não se dá bem com a nova moda anjos-vampiros-e-afins (meu caso). Falando de Deus e do Diabo, de hipocrisia e redenção, aceitação, crueldade, sexo, música e drogas, Joe Hill consegue construir uma trama única. A única razão para que eu não dê à obra a nota 5 (de 5) é o fato de que há momentos em que a não linearidade se torna um pouco desconfortável, e você tem que parar para pensar um pouco e descobrir em que época um determinado capítulo se passa. Fora isso, très bien!
Título: O Pacto
Autor: Joe Hill.
Editora: Sextante.
Número de Páginas: 320.
Minha avaliação: 4 de 5.
Adorei a resenha, muito bem feita e completa :D
ResponderExcluirTambém descobri esses dias que ele era filho de Stephen King, hahaha. Estou com um livro dele para ler: "A estrada da noite", parece bem legal :D
Fiquei curiosa para ler "O Pacto", parece muito bom, bem diferente de tudo que já li :D
Tadinha da Glenna, hahaha
Parabéns pelo post e blog :)
Robledo não sofre por causa do Meme não, hahaha.. ele existe (na minha opinião, ne) pra ser uma coisa divertida. O que você não souber responder, não responde, haha.
ResponderExcluirBeijo!
Rebledo,que resenha maravilhosa.
ResponderExcluirEstou ansiosa para ler O Pacto,mas ainda não tive tempo. Estrada da Noite é um dos melhores livros de terror que eu já li,então tenho certeza que vou gostar do segundo livro do autor.
BJS
Oi :)
ResponderExcluirObrigada pela visita ao Livros da Vivi, espero que volte sempre e participe das novidades do blog.
Eu tenho um pé atrás com o Joe porque eu li 'A estrada da noite' e não gostei, justamente pela linguagem dele, de fato é curto e grosso, não gosto disso. E a história, sei lá... não tava no clima pra terror, rs.
Beijos,
Vivi
Nossa Robledo, como você é bom nessa coisa de blog, pouco tempo e já tem tantos comentários positivos e tantos fãs ávidos por mais resenhas.
ResponderExcluirCom o seu blog, estou abrindo meus horizontes para outros lados da literatura, e estou querendo muito ler 'A Menina Que Não Sabia Ler' e esse 'O Pacto' a partir de agora, bem inovador o enredo e o modo de escrita, com a divisão em épocas diferentes da vida do protagonista, gostei mesmo. E com o comentário da Mayara e da Nina, quero ler também esse 'A Estrada da Noite'.
Já vi esse livro!! Não peguei pra ler pq não conhecia a sinopse.
ResponderExcluirDepois do seu post, fiquei curiosa! Principalmente por querer saber o que acontece com o personagem.
Bjs ;)
http://literaturaecine.blogspot.com/
Oi Robledo,
ResponderExcluirA primeira vez que ouvi falar em Joe Hill foi quando ganhei um livreto com o primeiro capítulo de outro livro dele "Estrada da noite". Na hora que li esse capítulo fiquei com muita vontade de ler, mas até agora não tive tempo e nem dinheiro para tal. =(
Sua resenha está ótima e esse livro, "O Pacto", parece ter o mesmo ar meio místico.
Respondendo ao seu comentário no meu blog, eu entendo exatamente essa frase sobre o filme. Realmente falar sobre a realidade é a grande sacada do filma, mas também o grande problema.
Boa sorte com o seu blog também.
Bjss*
livrofilmeecia.blogspot.com
Sou loucaaaaaaaaaaaaaaaa por esse livro! Será uma de minhas próximas leituras(espero que sim).
ResponderExcluirE que bom que sua avaliação final foi 4! Fico triste quando um livro que quero muito ler recebe uma classificação baixa.. :(' hehe.
Não li sua resenha por completo, fui só batendo o olho gosto de ler o livro primeiro pra depois ler outras resenhas ^^
Beijos.
http://lendoecomentando.blogspot.com
Hm... Medo de ler esse livro!
ResponderExcluirMas sua resenha está ÓTIMA.
=*
Tah