quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

[Resenha] Joe Hill - O Pacto


Responda mentalmente as seguintes perguntas:

1) O que você faria se surgissem chifres em sua cabeça?
2) O que você faria se, repentinamente, todas as pessoas que o conhecem começassem a lhe confessar seus pecados mais sórdidos e suas intenções mais obscuras?
3) O que você faria se a pessoa que você mais ama fosse brutalmente estuprada e assassinada, e todos acreditassem que você é o autor de tais fatalidades?

Em O Pacto, as três situações acima desabam, simultaneamente, sobre a cabeça da mesma pessoa. Ignatus Perrish - cujo sobrenome curiosamente lembra a palavra inglesa perish, que pode ser traduzida como perecer - acorda, depois de uma noite turbulenta, com dois chifres pontiagudos brotando de suas têmporas e um poder assustador de fazer com que todos ao seu redor discorram despreocupadamente sobre seus próprios pecados.

O interessante é: nenhum diabo brota das profundezas subterrâneas e diz a Ignatus (chamado desde o começo do livro de Ig) que ele foi escolhido para realizar uma missão infernal. Nenhum súcubo aparece subitamente no sofá de Ig e lhe dá uma explicação razoável a respeito dos chifres e do poder de persuasão destes. O rapaz simplesmente acorda, de ressaca, com duas estacas malignas pulando para fora de sua testa.

E, é claro, como não poderia deixar de ser, Ig descobre seus "poderes" da pior maniera possível: ouvindo uma confissão negativa de alguém por quem ele tem certa afeição. Glenna, a garota com quem Ig está saindo, surge com as seguintes palavras:

- Ontem à noite ele estava no bar e, depois que você desapareceu, me pagou uma bebida. Eu não falava com Lee há séculos. Tinha me esquecido de como ele é bom de papo. Você conhece o Lee. (...) Me empolguei e paguei um boquete para ele ali mesmo, com uns carinhas olhando e tudo. Eu não fazia nada tão maluco desde que tinha uns 19 anos e me enchia de anfetaminas.

Esse é um bom momento para falar da linguagem do livro. Joe Hil - que mais tarde descobri ser o filho de Stephen King - decora O Pacto com uma linguagem crua, curta e grossa, cheia de palavrões e termos que alguns podem chamar de obscenos. Contudo, também vale a pena destacar a impressionante capacidade descritiva do autor, que me lembrou bastante as descrições de A menina que roubava livros. Vejam um exemplo no qual Hill mescla o concreto e o abstrato, o personagem e o ambiente:

Os movimentos extáticos das chamas o hipnotizavam. Ficava maravilhado com os rodopios das faixas e com o movimento das brasas alaranjadas que caíam, com o gosto amargo e rascante do vinho, que afastava seus pensamentos como um solvente removendo a tinta. Puxava o cavanhaque insistentemente, feliz com ele, como se o cavanhaque tornasse seu cabelo escasso mais aceitável.

De qualquer forma, voltemos à história: assim que percebe que os chifres em sua cabeça não são uma alucinação, Ig faz o que qualquer pessoa normal faria: procura apoio nos amigos, na família e na igreja. Entretanto, Ig é surpreendido por discursos odiosos de todos que supostamente o amavam. Ele passa a conhecer sua verdadeira família, aquela que o considera o assassino sangue-frio de Merrin - a namorada de Ig, brutalmente estuprada e largada para morrer no meio de uma mata.
Joe Hill, autor do livro

Com o decorrer da história e a insistente permanência dos chifres em suas têmporas, Ig se depara com um tormento ainda maior: a confissão de Terry Perrish, seu irmão, revelada sob influência dos chifres, pode ser capaz de ajudar Ig a encontrar e acertar as contas com o verdadeiro assassino de Merrin. É aí que ele parte em busca da verdade e da comprovação de sua inocência - claro que tudo não vai ser tão fácil!

A trama de O Pacto se divide em cinco partes: Inferno, Cereja, Sermão de Fogo, O Predestinado e Evangelho segundo Ig e Keith - todas dentro do mesmo livro, é claro. Cada uma mostra uma época diferente da vida de Ig e daqueles que o cercam, e o conjunto da obra mostra que, ao nosso lado, podem morar homens tão ruins quanto o diabo. Vale ressaltar que as cinco partes não estão em ordem linear: enquanto Inferno mostra um Ig que vive seus dias um ano após a morte de Merrin, com vinte e tantos anos de idade e dois chifres enormes na cabeça, Cereja (minha parte favorita) mostra outro Ig, um adolescente de quinze anos ansioso por agradar o grupo que o cerca e por impressionar seus colegas.

O Pacto é, em suma, um suspense envolvente e imprevisível, ideal até para quem não se dá bem com a nova moda anjos-vampiros-e-afins (meu caso). Falando de Deus e do Diabo, de hipocrisia e redenção, aceitação, crueldade, sexo, música e drogas, Joe Hill consegue construir uma trama única. A única razão para que eu não dê à obra a nota 5 (de 5) é o fato de que há momentos em que a não linearidade se torna um pouco desconfortável, e você tem que parar para pensar um pouco e descobrir em que época um determinado capítulo se passa. Fora isso, très bien!

Título: O Pacto
Autor: Joe Hill.
Editora: Sextante.
Número de Páginas: 320.
Minha avaliação: 4 de 5.

9 comentários:

  1. Adorei a resenha, muito bem feita e completa :D
    Também descobri esses dias que ele era filho de Stephen King, hahaha. Estou com um livro dele para ler: "A estrada da noite", parece bem legal :D
    Fiquei curiosa para ler "O Pacto", parece muito bom, bem diferente de tudo que já li :D
    Tadinha da Glenna, hahaha
    Parabéns pelo post e blog :)

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  2. Robledo não sofre por causa do Meme não, hahaha.. ele existe (na minha opinião, ne) pra ser uma coisa divertida. O que você não souber responder, não responde, haha.

    Beijo!

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  3. Rebledo,que resenha maravilhosa.
    Estou ansiosa para ler O Pacto,mas ainda não tive tempo. Estrada da Noite é um dos melhores livros de terror que eu já li,então tenho certeza que vou gostar do segundo livro do autor.

    BJS

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  4. Oi :)
    Obrigada pela visita ao Livros da Vivi, espero que volte sempre e participe das novidades do blog.

    Eu tenho um pé atrás com o Joe porque eu li 'A estrada da noite' e não gostei, justamente pela linguagem dele, de fato é curto e grosso, não gosto disso. E a história, sei lá... não tava no clima pra terror, rs.

    Beijos,
    Vivi

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  5. Nossa Robledo, como você é bom nessa coisa de blog, pouco tempo e já tem tantos comentários positivos e tantos fãs ávidos por mais resenhas.
    Com o seu blog, estou abrindo meus horizontes para outros lados da literatura, e estou querendo muito ler 'A Menina Que Não Sabia Ler' e esse 'O Pacto' a partir de agora, bem inovador o enredo e o modo de escrita, com a divisão em épocas diferentes da vida do protagonista, gostei mesmo. E com o comentário da Mayara e da Nina, quero ler também esse 'A Estrada da Noite'.

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  6. Já vi esse livro!! Não peguei pra ler pq não conhecia a sinopse.
    Depois do seu post, fiquei curiosa! Principalmente por querer saber o que acontece com o personagem.

    Bjs ;)

    http://literaturaecine.blogspot.com/

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  7. Oi Robledo,
    A primeira vez que ouvi falar em Joe Hill foi quando ganhei um livreto com o primeiro capítulo de outro livro dele "Estrada da noite". Na hora que li esse capítulo fiquei com muita vontade de ler, mas até agora não tive tempo e nem dinheiro para tal. =(
    Sua resenha está ótima e esse livro, "O Pacto", parece ter o mesmo ar meio místico.

    Respondendo ao seu comentário no meu blog, eu entendo exatamente essa frase sobre o filme. Realmente falar sobre a realidade é a grande sacada do filma, mas também o grande problema.
    Boa sorte com o seu blog também.

    Bjss*
    livrofilmeecia.blogspot.com

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  8. Sou loucaaaaaaaaaaaaaaaa por esse livro! Será uma de minhas próximas leituras(espero que sim).
    E que bom que sua avaliação final foi 4! Fico triste quando um livro que quero muito ler recebe uma classificação baixa.. :(' hehe.
    Não li sua resenha por completo, fui só batendo o olho gosto de ler o livro primeiro pra depois ler outras resenhas ^^

    Beijos.
    http://lendoecomentando.blogspot.com

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  9. Hm... Medo de ler esse livro!
    Mas sua resenha está ÓTIMA.

    =*
    Tah

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