[Resenha] Arthur Golden - Memórias de uma Gueixa

Essa daqui é, sem dúvida alguma, a resenha mais difícil que já fiz. Nas demais obras que eu analisei esse ano, minha opinião era muito clara, e por vezes até maniqueísta: ou eu amava incondicionalmente o livro, ou só conseguia enxergar defeitos. Memórias de uma gueixa me colocou numa situação muito difícil, quase indescritível, mas que eu vou me forçar a traduzir em palavras. Terminei de ler o livro há aproximadamente cinco minutos, de forma que ainda me encontro naquela fase de abalo pós-leitura, caracterizada principalmente pela sinceridade e pelo ápice do envolvimento com a história. Essa resenha pode ficar um pouco longa, mas eu peço que vocês me desculpem. Estou digitando o que surge naturalmente em minha mente. Vamos começar.

A história já é conhecida por muita gente, mas é mais ou menos a seguinte: a pequena Chiyo, aos nove anos, é vendida a um okiya - uma casa japonesa na qual as gueixas vivem durante suas carreiras. Sua irmã Satsu enfrenta ao mesmo destino; todavia, as duas são enviadas a lugares diferentes, o que faz com que, desde a mais tenra idade, Chiyo seja obrigada a lidar com todas as adversidades da vida por conta própria. E, diga-se de passagem, sua travessia é apinhada de adversidades: no okiya ao qual é enviada, Chiyo se depara com uma série de personagens singulares: Hatsumomo, a experiente gueixa que lhe parece odiar (ou invejar?) com todas as forças; Mamãe, Titia e Vovó, todas excepcionalmente severas e responsáveis por gerenciar o okiya; e Abóbora, uma garota não muito mais velha do que Chiyo, destinada a enfrentar o mesmo fado.

Como você pode descobrir pela leitura da sinopse do livro no Skoob, a história descreve basicamente a vida de Chiyo, desde os seus primeiros passos no okiya até o ápice de sua carreira como gueixa. E essa é uma das coisas que eu gostaria de deixar muito claras nessa resenha: a trama de Memórias de uma gueixa é fácil. Desculpem o uso desse termo, mas não encontro nenhum mais adequado: é uma trama fácil e, por isso mesmo, morna. A partir do momento em que você lê as orelhas do livro, você já tem uma vaga ideia de tudo que vai acontecer, e acredite em mim: você está muito próximo da verdade. Eu poderia resumir a história em um único parágrafo, mas sinto que isso daria uma impressão horrível do livro.

Por ser tão morna, a trama não conseguiu me cativar em momento algum. Mas calma. Vamos deixar bem clara uma coisa aqui: quando digo que não fui cativado, não quero dizer que detestei o livro - simplesmente, em 90% da sua estrutura, este não causou em mim impressão alguma. Ao passo que, em outras obras, sinto-me como se o narrador estivesse à minha frente, desenvolvendo sua história e deixando as emoções transbordarem, em Memórias de uma gueixa (chamarei só de Memórias daqui até o fim da resenha) eu me senti como alguém que visse a história de longe, sem se envolver. Uma amiga minha descreveu esse livro como um novelão e, apesar da aparente grosseria do vocábulo, não posso deixar de concordar. Em termos de trama, é praticamente uma novela, marcada principalmente pelo amor entre Sayuri (é esse o nome que Chiyo adota quando finalmente se torna uma gueixa) e um homem que ela chama de Presidente.

Com olhos bem fechados e mãos unidas rezei para que me permitissem de alguma forma chegar a ser uma gueixa. Eu suportaria qualquer treinamento, qualquer dureza, por uma oportunidade de atraiz outra vez a atenção de um homem como o Presidente.

Agora, é claro: como a própria quarta capa do livro faz questão de destacar, o livro pode e deve ser lido não apenas como uma história de amor e sofrimento, mas como um fascinante passeio pela cultura japonesa da época. Não importa o seu nível de conhecimento acerca das tradições orientais: você vai, indubitavelmente, finalizar a sua leitura carregando uma bagagem cultural maior. É realmente fantástico o passeio que o autor faz pelas tradições e pelos hábitos das gueixas, e você é apresentado a um universo tão... palpável... que você passa a sentir uma certa sensação de posse, como se tudo aquilo fosse a sua própria cultura e como se gueixas passassem em frente à sua casa todas as noites.

O único obstáculo que eu encontrei, nesse sentido, é que se trata de um livro muito visual. Os capítulos estão cheios de descrições de peças das vestimentas japonesas, especialmente os quimonos, e nem sempre é fácil visualizar o que o autor quer transmitir. Ainda não vi o filme, mas acredito que ele seja absurdamente mais bem-sucedido nesse aspecto; afinal, convenhamos: você pode estar lendo o melhor escritor do mundo, mas deparar-se com a descrição de uma dança, por exemplo, não é a mesma coisa que vê-la com seus próprios olhos, sentindo as sensações que ela transmite à atmosfera.

Quando finalmente consegui me pôr de pé, fui ao saguão e me contemplei atônita no espelho grande. Começando pela bainha de meu vestido, um dragão bordado se enroscava da parte inferior do traje até o meio de minha coxa. Suas garras e dentes eram de prata, os olhos, dourados - ouro de verdade. Não pude impedir as lágrimas de me subirem aos olhos.

Antes que essa resenha ocupe seis mil páginas, permitam que eu explique por que razão eu considero essa a mais difícil das minhas análises: acontece que, nas minhas leituras, eu vou tecendo comentários e estabelecendo notas à medida que vou avançando no livro. Faço isso porque não acho justo dar nota 1 a um livro que foi fenomenal em todo o seu desenvolvimento, mas que teve um final ridículo - julgo que a avaliação deve dizer respeito à obra como um todo, e não a partes desta. Então, enquanto eu vagava pelas páginas de Memórias, pelo menos durante as 400 primeiras, tinha uma opinião muito clara, e já podia me ver escrevendo uma resenha que falava essencialmente da história morna, sempre no mesmo ritmo, sem muita variação de tom.

Mas aí vieram os dois capítulos finais. E eu não sei o que aconteceu, mas a impressão que tive foi que toda a emoção que o autor havia guardado durante os trinta e poucos primeiros capítulos havia sido liberada de uma única vez; senti uma identificação tão forte com a Sayuri, e pude visualizar suas emoções de forma tão clara, que passei a questionar meus julgamentos anteriores. Se você por acaso começar a ler esse livro e pensar da mesma forma que eu, ou seja, se achar todo o desenrolar da história sempre muito calmo... Não pare de ler. O final vale a pena. Não que haja algum acontecimento absurdamente inesperado, mas simplesmente vale a pena. É difícil descrever; prefiro que vocês mesmos tenham a oportunidade de sentir esse efeito.

A promoção de Memórias de uma gueixa começa no dia 02/05, logo após o resultado do sorteio de Feios. Até lá.

Título: Memórias de uma Gueixa.

Autor: Arthur Golden.

Editora: Imago.

Número de páginas: 460.

Avaliação: 4 de 5.