terça-feira, 3 de setembro de 2013

[Resenha] Mauricio Gomyde - Ainda Não Te Disse Nada

E lá vamos nós de novo.
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“... Largo a espera e sigo o sul. 
Fica forte, sê amada. 
Quero que saibas eu ainda não te disse nada...
Estou em falta com a literatura nacional atual, confesso, porém nada me chama muito a atenção. Mas meu erro reside em me interessar por um livro cujo autor é brasileiro(a) e, depois de adquiri-lo, prorrogar tanto a leitura. Ainda não te disse nada está aqui desde o começo do ano passado, quando o ganhei em uma promoção no blog da Nanda, o Julgue Pela Capa. Ela e a Gabi, do Livro, filme e cia., estavam sempre a me recomendar a leitura e resolvi inseri-lo em minha lista. Embora não trate de um romance arrebatador, ANTDN configurou-se um entretenimento saudável e contemporâneo.





- Ele não quis vir?
- Não. Disse que nós três só falamos bobagem e ele tinha coisas muito mais edificantes pra fazer em casa. Coisas capazes de engrandecê-lo como ser humano e conduzi-lo à evolução espiritual [...]
- Coisas de que tipo?
- Do tipo assistir a uma rodada de MMA que comprou no pay per view com mais dois amigos do escritório.
A jovem Marina Albertini vive tranquila em São Paulo, com sua rotina totalmente diferente da vida no interior: casa – trabalho nos Correios – café – faculdade. Sua persistência em acreditar que havia um único homem exato para si fazia suas amigas caçoarem de seu romantismo. Mal ela sabia que o destino lhe daria uma história de amor que não lhe pertencia através de cartas, mas da qual se permitiu participar fazendo-se passar pela paixão antiga de um idoso desconhecido do outro lado do oceano. Aos poucos, mesmo sem saber explicar, o gesto inocente que inicialmente possuía apenas boas intenções se torna o maior dilema de sua vida.
Por que a vida tinha de ser tão frágil?
A premissa me parecia vaga e fora o motivo pelo qual estava tão curioso para ler e descobrir aos poucos a história, tanto que resolvi criar uma sinopse própria para norteá-los melhor durante a resenha. Vejam bem, não costumo ler romances com frequência, tampouco é meu gênero literário predileto, porém quando pego um exemplar da categoria para experimentar, meu objetivo essencial é que ele me arrebate. Seja um conto sobre o primeiro amor na infância ou a paixão em uma vida inteira de dificuldades, acredito que sua maior obrigação é ser um arrebatador por si só. ANTDN não funciona dessa maneira, infelizmente. O romance é interessante e desperta nossa curiosidade, mas não há nada além disso para destacar acerca do mesmo.
- Hum... Bom, ele me levou pra assistir a uma ópera no cinema. Linda, romântica, sensual.
- Ópera? Ai, meu Deus, que demais! Por que isso não acontece comigo, hein? Parece coisa de cinema! [...] No nosso primeiro cinema, o Antonio me levou pra assistir ao “Velozes e Furiosos 4”.
A escrita de Gomyde é leve, translúcida, ele consegue empregar com notável facilidade o que cada personagem quer passar no que diz, no que fala. É bem impressionante essa atmosfera suave que conseguiu dedicar à narrativa. Não torci por Marina e seu correspondente, coisa que faço quando me afeiçoo a algum casal no enredo, mesmo que o amor não seja seu foco. Tudo era muito previsível, assim como o final desapontador. O autor tinha nas mãos algo que divergia completamente de qualquer romance, que excitava logo por sua impossibilidade e que cria no leitor o comprometimento de pensar em alguma solução inexistente para que o casal se una, entretanto Mauricio seguiu pelo caminho mais simples e fácil que eu já cogitava, para minha tristeza.
-  Estamos falando de casamento? Vai pedir a mão dele? [...]
- Não. Vou fazer ele me pedir em casamento. Algo do tipo “ou caga ou desocupa a moita”.
A falta de credibilidade automática que minha mente atribui a tramas atuais que se passam no Brasil é algo pela qual luto para extinguir. Afasta-me da maioria das obras nacionais onde o mesmo ocorre, a partir do momento em que tentam moldar uma realidade brasileira que eu não consigo assimilar como “crível”, principalmente por vivê-la todos os dias. É um conjunto de fatores interligados, desde personalidades a rotinas, que eu, Caíque, não consigo ler com total seriedade e sem notar um ar um tanto forçado. Talvez seja algo meu ou de alguns leitores que já o comentaram comigo, entretanto posso afirmar que ainda não encontrei veracidade no dia-a-dia contemporâneo dos brasileiros nas obras de autores nacionais que já li.
[...] Tu disseste que alguns sonhos não se concretizaram. Mas, pensa... Que graça teria, caso todos eles sempre se tornassem realidade? A beleza da vida está justamente na imprevisibilidade. Saber que expectativas ora se concretizam, ora não, é o que torna tudo mais saboroso e instigante. Um sonho não se realizou? Sonha outro! Sonho contigo todos os dias.
Há um pouco de confusão nos diálogos entre mais de duas pessoas, deixando a desejar na organização de quem está falando o quê. Aliás, muitos deles são bem frívolos e me pergunto quem falaria coisas assim nos dias de hoje ou se é apenas exclusividade de filmes mal dublados. Lembra da questão da credibilidade na veracidade do escrito? Pois então. Alguns erros de concordância povoam os parágrafos mais do que eu gostaria sem adstringir a leitura, assim como o problema no arranjo das conversas. Não incomodam separadamente, no entanto a real pendência é que somados e analisados no conjunto, reservam uma impressão negativa do trabalho em geral.
As almas se encontram, dizem por aí.
Sei que parece que o livro é péssimo, mas não é. O enredo é competente em envolver o leitor e passamos as páginas sedentos pelas continuidades; a sensação pura de estar lado a lado à protagonista, puxando-a pelo braço para que nos revele o que irá acontecer. Os demais personagens não garantem muita atenção além do necessário, o que é esperado de um enredo como esse, contanto gostei especialmente de Otávio, o galanteador vizinho adolescente de Marina que tem ótimas tiradas. As melhores amigas da principal, Thaís e Francesca, têm bons diálogos marcados pela superficialidade de buscar não um homem ideal, porém perfeito fisicamente. Observo tanto isso nas sinopses dos tão famigerados New Adults, Young Adults e nas pencas de mocinhos que já conhecemos, imaculados da cabeça aos pés.
- Seu Patrício, o que o senhor acharia se uma moça bem mais nova estivesse interessada no senhor?
- Interessada em quê?
- No senhor [...]
- Por que a pergunta? Hoje é primeiro de abril?
Percebo que as críticas negativas concluem-se por sobrepujar as positivas e não posso mentir, o livro me irritou de verdade com essas falhas.  Não compreendi o propósito de certas cenas em que Marina se tocava em busca de prazer, eram momentos que apareciam de repente durante a leitura e que quebravam um pouco do clima em que a estória foi criada. Simultaneamente, afirmo sem hesitar que estava envolvido por sua narrativa, imergido em seus dilemas e dificuldades, abraçado aos seus sonhos e desejos. É uma protagonista forte, bastante humana no espectro sentimental e que qualquer um pode reconhecer como uma amiga em potencial.
Marina até poderia ter continuado na pequena São Pedro da Serra, onde, desde sempre, sua família morou. Assumir a padaria, sustento dos pais, o caminho natural para a vida. Sossego, o grande objetivo. Família, silêncio, certeza, companheiros inseparáveis ao longo da trajetória.
Mas tudo o que ela não queria era ter certeza das coisas.
A diagramação é simples, bem impressa e a falta do tradicional espaço entre um capítulo e outro não atrapalhou em nada. A capa é de um design belíssimo, principalmente ao vivo quando vemos todos detalhes que foram perfeitamente envernizados. Esperava mais, bem mais de um escritor tão bem comentado na blogosfera, mas não deixo de almejar O Mundo de Vidro, seu outro sucesso. Ainda Não Te Disse Nada é uma história de amor prazerosa sem aquele “Q” a mais que nos faria sentir o cheiro de romance no ar. Envolve, entretêm, diverte, possui citações mais que adequadas, porém cai na previsibilidade, abstrai-se do charme da fascinação e não deslumbra o ledor. Vale a pena, mas não tanto quanto supunha.
De fato, nunca havia sido seu sonho trabalhar numa agência dos Correios. Ela não queria levar e trazer histórias. Queria ser uma história, e o passo definitivo acabara de ser dado.
Título: Ainda Não Te Disse Nada.
Autor: Mauricio Gomyde.
Editora: Porto 71.
Número de Páginas: 236.
Capa: Pedro Porto.

Um comentário:

  1. Ah, gosto quando fazem resenha de autores nacionais.
    Os blogueiros tem muita influência na escolha de livros dos leitores (especialmente os jovens) e quanto mais resenhas fizermos de livros brasileiros, mais a nossa literatura vai se consolidar.


    É um efeito em cadeia: Mais gente lendo livros nacionais > Editoras investindo mais nos nossos autores > Mercado de livros nacionais se aquece > O preço diminui > Mais gente compra livros nacionais

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