quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

[Vire essa folha] O Mistério no Velório da Viuvinha

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"Vire essa folha" é uma nova coluna do blog em que publico crônicas próprias, de outros autores ou até mesmo fragmentos sucintos cujo papel é participar singelamente do seu dia. O nome é uma homenagem ao centenário do nascimento de Vinicius de Moraes nesse ano; são as primeiras palavras de sua canção "Medo de Amar". A crônica a seguir é de minha autoria, originalmente escrita no dia 01 de janeiro de 2013. Espero que gostem.




O Mistério no Velório da Viuvinha

A Viuvinha Caxabrava obrigou todos os cidadãos de Veraneio a vestirem o preto pela última vez. Depois de enterrar três coronéis, dois advogados, um caso da capital e o barão da região, todos com aliança nos dedos - com exceção do amante -, a Viuvinha faleceu pela manhã da última quarta-feira, sendo velada apenas no sábado, na capelinha no alto do monte da fazenda que herdou do barão Caxabrava. A cidade em peso se pôs a caminhar pelo caminho tortuoso entre o matagal da fazenda, só pelo prazer esdrúxulo de contemplar a face cadavérica da idosa mais rica do Triângulo Mineiro. 
A primeira a chegar, acompanhada do alvorecer, foi a dona da quitanda onde a Viuvinha ia tomar o café preto forte e comer pães-de-queijo saídos do forno após a missa dos domingos. Ela dizia que o dia do Senhor não era dia de ficar sozinha, para depois retornar à sua solidão dominical da viuveza. Era a única amiga que lhe havia sobrado, mas essa sempre a mantinha longe do marido e do filho mais velho, só por precaução. Nenhum dos dois podia frequentar a quitanda nos dias que a Viuvinha aparecia por lá.
O segundo a chegar foi Seu Joca, cocheiro da fazenda, que tinha medo de dizer que todos os cavalos haviam morrido e ser obrigado a ficar longe do seu amor secreto, a própria Viuvinha. Nunca disse nada também por medo da própria morte, como ocorrera a todos os seus ex-cônjuges. Levou um buquê de flor do mandacaru que ele mesmo plantou e colheu pensando na amada e o amarrou com uma fita vermelha da qual só ele sabia o significado.
A terceira a aparecer na subida que levava ao velório fora Dona Primorosa, alcunhada pela criançada de Dona Lambida desde o enterro do primeiro marido da Viuvinha, o barão. No funeral do homem, Primorosa chorou tão copiosamente que sua dentadura pulou junto com as flores jogadas dentro do túmulo. O tumulto foi tamanho que a Viuvinha, em meio à própria desolação, desatou a gargalhar da cena e todos se sentiram permitidos a rir da desdentada que não conseguia colocar a língua pra dentro da boca e caía no buraco, arremessando ramalhetes para cima à procura de seus dentes.
Aos poucos, o caixão não parecia tão pequeno diante da multidão que cobria seus arredores e a grande fila que se formou na entrada da capela. O Padre, atrasado como sempre, apressava o coroinha atrás de si e pedia licença ao Bicheiro Pouca-Coisa, que apagava uma vela pra embolsar o castiçal dourado no paletó. 
Entre bocejos, muitos "shhhh!" e um ronco de Pouca-Coisa, o Padre encerrou a cerimônia, permitindo que a família velasse o corpo durante a noite. Contudo, a Viuvinha era sozinha de parentes e ninguém apareceu. Ele, então, pediu ao coroinha para fechar a porta e guardar a chave, pois estaria ocupado com os preparativos do enterro.
Então, quando não havia ninguém mais para olhar, os maridos da Viuvinha apareceram de soslaio de seus esconderijos, caminhando prateados em seus espíritos. Eles se aproximaram do caixão, escarraram com toda força sobre o cadáver e sumiram desta terra para todo sempre. No dia seguinte, o corpo da Viuvinha havia sumido para nunca ser encontrado ou enterrado.
Tempos depois, houve um boato de que uma dita viúva rica havia montado casa em Diamantina e se casado com o delegado recém-empossado. Ele acabou de descobrir um câncer terminal.

Caíque Pereira.

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4 comentários:

  1. Oi Caíque!
    Adorei a nova coluna e você começou muito bem.
    Achei super divertida essa crônica e estou ansiosa para ver outras.


    Bjs
    Gabi Lima
    http://livrofilmeecia.blogspot.com.br

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  2. Oii Caíque! Eu nào tinha comentado aqui? Oo' kkkkkkkkk pff. Aquele dia da discussão sobre esse texto eu tava crente que tinha comentado .-. enfim... Eu também adorei a crônica, muuuuuito divertida! Bem cara de clássicos brasileiros mesmo ^^ Adorei e parabéns! <3


    Beijos, Nanda

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  3. Gabi! Essa não foi a primeira da coluna (essa foi: http://livrosletrasemetas.blogspot.com.br/2013/01/poetinha-1.html), mas obrigado DEMAIS pelo seu comentário. O objetivo foi mesmo divertir e entreter o leitor por esses poucos segundos que ele passou lendo a crônica da Viuvinha, que bom que funcionou bem. Um beijo!

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  4. Falamos tanto sobre o texto que esquecemos que ele ainda não havia sido postado, rsrs. Obrigado mesmo, fico feliz que tenha gostado! Beijo \o\

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