domingo, 13 de maio de 2012

[Resenha] Charlotte Brontë - Jane Eyre

Durante o meu prolongado período de afastamento, mantive-me suficientemente envolvido com atividades relacionadas à literatura. Apesar de ter passado cerca de dois meses sem produzir uma única linha referente aos livros que me cercavam, não me afastei, em absoluto, do universo das palavras. Debrucei-me, sobretudo, sobre o legado literário das irmãs Brontë; perscrutei-lhes as vidas sombrias e reservadas; investiguei as numerosas cartas de Charlotte; conheci estudos acerca dos símbolos presentes em seus romances. Em suma, aproximei-me de forma considerável da trajetória e da obra daquelas que, aos meus olhos, tornaram-se as figuras mais instigantes da história da literatura mundial. Saliento, ademais, que grande parte da minha admiração pelas talentosíssimas irmãs é consequência da leitura que fiz de Jane Eyre: um livro que, ao lado de Precisamos falar sobre o Kevin e O Jardim dos Esquecidos, passou a integrar a minha criteriosa seleção de favoritos.

A obra-prima conta a história de Jane Eyre - senhorita que, sem dúvida alguma, é merecedora da honra de dar título ao romance -, jovem britânica que, após um período de privações e sofrimentos nas mãos de sua tia, seguido por pungentes anos em uma rígida escola católica para meninas, encontra emprego como governanta na residência do misterioso Mr. Rochester. Se o enredo o leva a fazer precipitadas comparações entre Charlotte Brontë e Jane Austen, leitor, estabelecendo semelhanças entre as duas autoras, eu lhe peço que gentilmente afaste tais conjecturas: apesar do comum brilhantismo, as romancistas são diametralmente opostas. Se Jane é sensata e comedida, Charlotte é expansiva e poética; se uma é discreta e preza pelas habilidades sociais, a outra preocupa-se com a inquietude dos princípios individuais e com o que jaz por trás de frágeis e dissimuladas aparências.
Do you think I am an automaton? - a machine without feelings? and can bear to have my morsel of bread snatched from my lips, and my drop of living water dashed from my cup? Do you think, because I am poor, obscure, plain, and little, I am soulless and heartless? You think wrong! - I have as much soul as you, and full as much heart!
Embora tão intensa quanto sua irmã Emily - ao menos no que diz respeito à composição literária -, a magnanimidade de Charlotte Brontë não se direciona à produção de cenas góticas, sombrias; tampouco se compraz sua pena na edificação de cenas de mistério ou horror. É na expressão dos sentimentos íntimos que a autora completamente abre suas asas; é na construção de declarações profundas de amor e de ódio que sua pena desliza como que sobre veludo; é na exposição crua e enérgica dos conflitos internos que a mais velha das irmãs Brontë gera sentimentos de identificação, conforto, reciprocidade e catarse. E, ainda assim, Charlotte eleva-se ao não se limitar: se Jane Eyre é uma história de amor, é também uma crítica ao extremismo insano de certas doutrinas religiosas; um gotejar ácido sobre as estruturas de mármore de uma sociedade machista na qual a mulher é frequentemente subjugada, menosprezada e ignorada.

Enquanto protagonista, Jane Eyre imortaliza-se como uma mulher de garra e princípios firmes. Charlotte a define como plain - algo como "normal", no que diz respeito à beleza. Ela não tem traços marcantes, curvas voluptuosas ou dons inacreditáveis: suas capacidades e aptidões são simples e comuns; seus erros e dúvidas, humanos e universais. Em adição a um retrato tão realista, Charlotte dotou sua protagonista de uma admirável fidelidade às suas próprias crenças: ao afirmar que laws and principles are not for the times when there is no temptation: they are for such moments as this, when body and soul rise in mutiny against their rigour, Jane Eyre não está resignando a dogmas e doutrinas tirânicas, mas asseverando ao mundo que jamais trocará uma vida de ideias e princípios por uma alegria carnal e efêmera.
Then you are mistaken, and you know nothing about me, and nothing about the sort of love of which I am capable. Every atom of your flesh is as dear to me as my own: in pain and sickness it would still be dear. Your mind is my treasure, and if it were broken, it would be my treasure still.
Tive o prazer de ler Jane Eyre em inglês - isto é, na versão original -, mas, sendo uma autora tão admirada universalmente, Charlotte Brontë certamente encontrou traduções à altura em Língua Portuguesa. Como admirei Augusto dos Anjos há dois ou três anos; e como idolatrei Lionel Shriver no começo do ano passado - é dessa forma que, agora, curvo-me à excelência e à maestria da mais velha das irmãs Brontë. Reconheço o brilhantismo de Emily e até mesmo os méritos de Anne (tão frequentemente subestimada), mas, em minha concepção pessoal, Jane Eyre é uma obra-prima; Charlotte Brontë, sua criadora, um gênio.

Recomendo Jane Eyre especialmente àqueles que estão envolvidos em algum caso de amor impossível e aproveito o desfecho desta resenha para afirmar que, doravante, não mais atribuirei notas aos livros por mim analisados. Explico-lhes em outro post.
The whole consciousness of my life lorn, my love lost, my hope quenched, my faith death-struck, swayed full and mighty above me in one sullen mass. That bitter hour cannot be described: in truth, "the waters came into my soul; I sank in deep mire: I felt no standing; I came into deep waters; the floods overflowed me."

Título: Jane Eyre.
Autora: Charlotte Brontë.
Editora: Wordsworth Editions (coleção "The Brontë Sisters).
Número de Páginas: 332.

7 comentários:

  1. Jane Eyre tá na lista de livros-pra-ler-antes-de-morrer, mas daquele jeito, ainda não sei quando.
    Eu simplesmente amo os romances que se passam nesta época tida por antiquada. Apesar de algumas ideias serem questionáveis, ainda podemos encontrar valores perdidos hoje - e é, hm, reconfortante saber que eles existiram um dia.

    Bom, já que você citou "amores impossíveis", vou esperar estar bem arrebatada para ler. Provavelmente vou aproveitar mais do que se ler durante uma desilusão.

    Ótimo ver que vocês estão voltando! õ/
    Beijos,
    Miriam - Booker Queen!

    ResponderExcluir
  2. Que resenha maravilhosa.
    Eu sempre quis ler Jane Eyre, mas ainda não tive oportunidade. Espero ler em breve, de preferência em inglês também.

    Beijos.

    Carissa
    http://artearoundtheworld.blogspot.com

    ResponderExcluir
  3. Não tenho palavras... Sua resenha ficou maravilhos \Õ/
    Ainda não li nenhum livro das irmãs Brontë, mais possuo o livro da Emily.

    Realmente sua resenha me instigou a ter um interesse maior nos livros das irmãs, mais ainda na Charlotte Brontë.

    Beijos :*
    Natalia. http://www.musicaselivros.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  4. Adora Jane Eyre. Também acho um livro brilhante. Tão brilhante quanto a maravilhosa resenha que fizeste.

    liliescreve.blogspot.com

    ResponderExcluir
  5. Assisti só ao filme do ano passado, mas sou louca para ler o livro, mas tenho dúvidas quanto a edição que compro, de qual editora... rs

    http://smell-likeoldbooks.blogspot.com

    ResponderExcluir
  6. Que delícia ler sua resenha... amei!
    Me deixou super curiosa para ler a obra das irmãs Brontë.
    Vou ter que correr um pouco para ler os livros da minha meta esse ano, mas sem dúvida vou incluí-las nas próximas!
    Abraços!
    http://meulivrocorderosa.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  7. Muito boa sua resenha de Jane Eyre, gostei do seu estilo de escrita: rebuscado, cremoso e envolvente, tenho certeza que fez vontade em muita gente que ainda não leu o livro. Jane Eyre, também, está na minha seleta lista de favoritos. E não por acaso foi ele que me trouxe até aqui.
    Abraços!

    ResponderExcluir

A sua opinião é mais do que bem-vinda aqui no blog. O único pedido é que você seja cortês ao expressá-la, evitando o uso de termos ofensivos e preconceituosos. Assim, todos poderemos manter uma discussão saudável e bastante proveitosa. Obrigado!