domingo, 5 de fevereiro de 2012

[Resenha] Colleen McCullough - Tim

Colleen McCullough é uma das minhas romancistas favoritas. Desde a vez em que tive a chance de ler o extenso Pássaros Feridos, obra que imortalizou a autora, sinto profunda admiração em relação ao estilo detalhista da australiana, ao seu incrível conhecimento sobre a natureza e à sua capacidade de criar histórias vazias de suspense, mas repletas de beleza. Em Tim, seu romance de estreia, acompanhamos a tímida tentativa de Colleen de conquistar novos leitores com sua habilidade sobre as palavras.

O enredo escolhido pela autora é simples e baseado em poucos personagens. Mary Horton é uma mulher de mais de quarenta anos, irredutível, metódica e austera. Veste-se sempre com a mesma formalidade e despe-se quando tem de ir ao banheiro, de forma que suas roupas não fiquem amassadas. Construiu sua fortuna a partir do próprio trabalho duro, e finalmente consolidou-se como moradora de um dos bairros nobres de Sydney, onde mantém uma casa decorada predominantemente em tons de cinza. Tim, por outro lado, é um rapaz  de vinte e cinco anos cuja beleza o equipara aos famosos deuses gregos. Tem olhos de um azul penetrante e trabalha no ramo da construção, além de ter um excelente relacionamento com os pais e a irmã. Além disso, Tim sofre de uma deficiência mental, um leve retardo no desenvolvimento de seu cérebro.
Era tão difícil entender os seus sentimentos com relação a ele: num momento pensava nele como se fosse uma criancinha, em seguida, a sua beleza física fazia-a lembrar de que Tim já era um adulto. E para ela era tão difícil ter qualquer sentimento, quando já fazia tanto tempo que fizera algo mais além de apenas viver.
Não é difícil prever o que acontece a partir de uma sinopse tão extremista assim. Depois de surpreender-se em intensa contemplação a Tim na primeira vez em que vê o rapaz, Mary Horton decide contratá-lo como jardineiro: sua tarefa é aparar a grama uma vez por semana, além de retirar as ervas daninhas e regar as flores de Mary. A partir dessa relação estritamente profissional, todavia, surge um aprofundamento gradual e verossímil do laço entre os dois: a sisuda quarentona surpreende-se com o jeito infantil de Tim, assim como com sua eterna ingenuidade e com o inapagável brilho de seus olhos. O rapaz, que sequer sabe ver as horas, por outro lado, passa a desenvolver um afeto maior e maior por Mary, deixando de ser um simples jardineiro para volver-se em alguém muitíssimo mais importante.

A essência da obra reside no grande número de preconceitos relacionados à interação entre Mary e Tim. Além da notável discrepância intelectual - ela admira os grandes nomes da literatura; ele sequer sabe ler e escrever -, há a diferença de idade entre eles, e a sociedade da época é marcada por rígidos estereótipos. Entretanto, vale ressaltar que Tim jamais soube o que era o prazer sexual; assim, se há alguma intimidade entre o casal, esta se dá puramente por meio do desenvolvimento de um afeto puro e inocente, baseado em conversas e visitas à praia. Os dois aproximam-se muito mais como amigos do que como amantes, e em vários momentos é difícil decidir qual dos dois tipos de relacionamento mais se adéqua ao caso.  Além disso, ambos metamorfoseiam-se com o passar do tempo, aprendendo um com o outro e renovando-se em função do laço de amor que os une.
- Oh, concordo com isso! O que opera milagres é o fato de se amar e de se sentir amado. Trata-se daquela maravilhosa sensação de ser querido, necessário e estimado. A parte sexual limita-se ao papel da cobertura de um bolo.
Como eu disse no começo desta resenha, Tim é o primeiro romance de Colleen. Assim, é aqui que começamos a perceber o nascimento de algumas características que mais tarde - em Pássaros Feridos, por exemplo - imortalizar-se-ão como marcas registradas da autora. As descrições ambientais são relativamente poucas, mas todas brilhantes: é como se a romancista estivesse insegura quanto à recepção do público à sua capacidade de desenhar, por meio de palavras, clareiras, bosques, rios e praias. Isso tudo permite que ler Tim seja, em última instância, um exercício de observação do trabalho de alguém que dá os primeiros passos no universo traiçoeiro da publicação - o que torna a experiência muito mais atraente, principalmente quando se pode comparar o livro com os demais romances da australiana.

Infelizmente, talvez Tim peque em intensidade. Muitos dos diálogos pareceram-me insossos, como se a romancista sentisse que precisava desesperadamente inserir conversas em meio à sua narrativa, e até mesmo os momentos de reflexão (como quando Mary explica a Tim o que exatamente é a morte) poderiam ter sido mais aprofundados. Apesar disso, o livro é levíssimo, e a sua leitura pode ser tranquilamente feita em um ou dois dias. Reforço o que disse anteriormente: a maestria de Colleen não está em criar uma história por cujas veias corram o suspense e a aflição; está em encantar-nos com uma simples história de amor da qual podem brotar reflexões dos mais diversos feitios.
Muito embora não acreditasse na existência de Deus, sempre falava sobre ele com Tim, pois sua concepção era simples e ele era simples demais para acreditar no intangível. Mary estava certa de que só havia uma vida para ser vivida. E não era isso o que importava, uma coisa completamente independente da existência de um ser superior? Que diferença havia se houvesse um Deus, se a alma era mortal, se a vida de qualquer espécie cessava na beira do túmulo?
Tim foi originalmente publicado em 1974, o que já dá uma boa idade ao livro. A editora Bertrand Brasil, entretanto, decidiu republicar a obra há relativamente pouco tempo, de forma que não é difícil encontrá-la - com a capa apresentada nesta resenha - nas livrarias. Leiam Tim com serenidade e, caso percebam o nascimento de um potencial criativo nas páginas do romance, migrem em seguida para Pássaros Feridos. Garanto-lhes que vale a pena.

Título: Tim.
Autor: Colleen McCullough.
Editora: Bertrand Brasil.
Número de páginas: 336.
Avaliação: 3,5 de 5.

7 comentários:

  1. Como você gosta de uma história serena, hein, Robledo? Não sei se gostaria desse livro em especial, mas talvez sim, por causa do personagem com deficiência mental. No entanto, pelos seus comentários sobre Pássaros Feridos, acredito que talvez esse seja o melhor livro para conhecer a autora.

    Ah, sim, e mais uma vez: suas resenhas são um deleite, você definitivamente devia escrever um livro (e me mandar para resenha, rs.)


    Beijo!
    Mariana Melo
    www.felizvros.com

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  2. Oi Robledo!
    Desculpa, mas nunca tinha ouvido falar dessa autora.
    A história desse livro é bem interessante. Adoro romances e achei essa relação entre Tim e Mary (pessoas tão diferentes) bem legal. Vou procurar por ele.
    Ah! Concordo com a Mari, você devia escrever um livro.

    Bjs
    Gabi Lima
    http://livrofilmeecia.blogspot.com

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  3. Oi Robledo,
    Que resenha intensa, nunca tinha visto os livros dessa autora, e fiquei bem interessada.

    Beijos :*
    Natalia. http://www.musicaselivros.blogspot.com/

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  4. Não conhecia este título, mas já havia ouvido falar sobre a escritora.

    Parece ser um ótimo romance, apesar do pequeno ponto negativo que você destacou, mas só por ser romance, já é algo maravilhoso e agradável de se ler! (:

    Um beijão,
    Pronome Interrogativo.
    http://www.pronomeinterrogativo.com

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  5. Já tinha visto esse livro pela blogosfera, mas não tinha tido muito interesse nele até ler sua resenha. Apesar dos defeitos que você citou, a história parece ser muito bonita, fiquei bem curiosa para conhecê-la. :)
    Beeeijos

    Marina Oliveira
    http://distribuindosonhos.blogspot.com

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  6. Olá Robledo. Sua resenha me deixou realmente com vontade de apreciar essa leitura. A história parece ser muito interessante e a relação entre os personagens, algo realmente intenso e profundo. O enredo me encantou e fiquei fascinada mesmo com os defeitos citados. Confesso que não conhecia o livro e nem a autora, porém já anotei o nome da autora para procurá-la nas livrarias, certamente.

    Beijos,
    @umalimonada - http://samyaquino.blogspot.com

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  7. Oi, Robledo! :)

    Eu não conhecia a autora. Conhecia apenas de nome o livro "Pássaros Feridos". Aproveitei que colocou o link ali e li a sinopse no skoob e olha, marquei como desejado. "Passei o olho" em algumas resenhas e fiquei tentada a ler. "Tim" parece ser uma história linda. Gosto de histórias de amor onde os personagens não são somente amantes, mas amigos também. É muito mais inspirador. O último quote que escolheu é GENIAL. Tive que anotar aqui.


    Ah! E concordo com as meninas acima. Você deveria mesmo escrever um livro. Escreve muito bem!

    Beijos.
    Amanda || Lendo & Comentando
    ^-^

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