sábado, 4 de fevereiro de 2012

Palavras sobre palavras: e quem não lê?

A generosidade é uma virtude com a qual nós, leitores, somos bem familiarizados. Embora muito comumente sejamos taxados de introspectivos ou elitistas, nenhum ser na face da terra pode negar o nosso caráter filantrópico - demonstrado por aquela curiosa coceira que nos faz querer espalhar a leitura pelos quatro cantos do mundo. Se determinada obra nos encanta, sentimos o ímpeto de apresentar tamanho poder de fascínio a mais e mais pessoas; não tratamos livros como propriedades particulares nossas, mas como dádivas às quais toda a humanidade devia ter acesso. Por isso mesmo, sentimos certo desconforto quando alguém revela que não tem interesse por romances. Ora, se ler é algo tão excelente, como podem existir pessoas que não apreciem esse ato de ampliação de cultura?

Essa indagação nos move diretamente à formulação de hipóteses, algumas bastante clássicas. Se Fulano não gosta de ler, provavelmente: a) nunca teve um modelo que desejasse imitar, isto é, nunca viu seus pais ou professores lendo; b) só teve contato com os tipos errados de literatura, que serviram como prova da velha parábola de que uma laranja podre contamina o cesto; c) foi forçado a ler os clássicos e não compreendeu o que era exposto à sua frente, desistindo para sempre da tarefa de decifrar a literatura; ou d) ainda que tenha tido contato com bons livros, não fez uma leitura adequada, não destinou atenção suficiente à absorção da mensagem contida naquele oásis de sabedoria. A verdade é que a maioria de nós acha inconcebível que algumas pessoas simplesmente não possam ser comovidas por parágrafos. Essa ideia nos machuca. A possibilidade nos desafia.

Entretanto, é preciso que lembremos que a literatura é apenas uma das artes. Muita gente fala sobre a importância dos livros realçando os diversos impactos positivos que a Arte (com inicial maiúscula, esbanjando austeridade) pode causar em nossas vidas, desde a abertura de nossas mentes até a renovação de nossos espíritos. Não obstante, não é insolência demais crer que esse imenso poder está restrito unicamente a uma das formas de expressão artística? Em outras palavras: será que quem não se emociona com contos e poemas não pode se tornar, eventualmente, um apreciador de música? Um grande estudioso da pintura? Um mestre da fotografia? As possibilidades são quase ilimitadas quando pensamos que cada arte envolve um sem-número de gêneros - o que faz a nossa boa e velha literatura não parecer tão grande assim.

Isso não nos impede, é claro, de propagar a mensagem valiosíssima que os livros nos transmitem. Não custa nada fazer comentários entusiasmados sobre um determinado autor, ou tentar contaminar alguém com a sua excitação em relação a uma obra em específico. Há legiões de leitores em potencial por aí - pessoas que precisam apenas de um suave empurrão, de uma primeira indicação de qualidade. E acreditem em mim quando eu lhes digo que não há nada como a sensação de que alguém adentrou o universo da literatura por sua causa; corre um frenesi por suas veias, como se você estivesse apresentando um indivíduo a uma nova galáxia de descobertas e questionamentos.

O que acontece é que, caso não tomemos conta de nosso próprio comportamento, em pouco tempo nos transformaremos naquelas pessoas que batem de porta em porta, dissertando aos moradores sobre a iluminação contida nesta ou naquela religião. O mundo dos livros é de uma beleza inefável, mas nem todos têm a sensibilidade específica que permitiria que as palavras dançassem em suas vidas. Aprendamos isto de uma vez por todas: ler não é a única maneira de engrandecer a alma. Não há necessidade de olhar de cara feia para aquele seu amigo que nunca leu um livro na vida; talvez, ao chegar em casa, ele contemple uma bela coleção de madressilvas ou faça uma cópia perfeita do pôr-do-sol que se ergue à sua frente.

A demonização do não leitor é mais uma prova a favor da teoria de que há um egoísmo nos contaminando a todos. Somos profissionais em listar os benefícios que a leitura propaga, então por que nos é tão difícil seguir um deles - o de abrirmos nossas mentes? Ao longo de nossas trajetórias literárias, deparamo-nos com assassinos e pedófilos, dissimulados e santos, personagens provinciais e pós-modernos. Se somos capazes de conviver com tipos tão distintos e nem tão arquetípicos assim, nosso desconforto em relação aos que não leem não é plenamente justificável. 

Talvez não precisemos exagerar tanto na generosidade. Tente apresentar a literatura a alguém que nunca a conheceu: caso brote uma paixão, formidável; caso contrário, paciência. O escapismo pode ser conhecido de muitas outras formas saudáveis, e não ler não prognostica, necessariamente, ignorância. O indivíduo rejeitou suas sugestões de autores de forma irredutível? Respire fundo e tente de outra forma. Apresente-o a'O Lago dos Cisnes. Comente sobre técnicas de fotografia. Mostre-lhe algumas esculturas. Não se interessa pela Arte? Fale da natureza. Dos esportes. Tenha conversas profundas. Uma hora ou outra, a coisa dará certo e nós perceberemos, ambivalentes, que há milhares e milhares de formas de metamorfosear-se em algo melhor.

8 comentários:

  1. Oi Robledo!

    Adorei sua crônica, eu formulo perguntas em minha cabeça sobre quem não lê. A minha ideia é que eles, na maioria, não tiveram um bom contato ou não conseguem ler um livro do início até o fim. O fato é que, como uma maçã contamina o resto, eu contamino as pessoas ao meu redor e acabo fazendo-as se interessar por literatura.

    Adoraria uma visitinha,
    http://www.bobagenselivros.blogspot.com
    – Matheus

    PS: Responda-me no blog ou por e-mail se deseja a renovação de parceria porque estou fazendo uma limpa em quem é parceiro e não visita!

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  2. Nossa, que texto ótimo.
    Eu mesma tenho grande preconceito contra nao leitores... Nunca tinha encarado o tema sobreo angulo q você abordou.
    Um ótimo tema para reflexão.

    =)

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  3. Pensei sobre tudo isso quando fui incentivar um colega a ler e ele falou que já tinha uma paixão - música. Pensei: por que não? Também está ótimo. Talvez os livros não sejam mesmo para todos, assim como partitura não é para mim. Mas existem tantos tipos de livros que eu fico em dúvida. Não tenho preconceito, entretanto.
    Talvez os não leitores não tenham lido o livro certo. Talvez não seja a época certa. Mas também - difícil admitir - não sejam as pessoas certas. É esperar que eles procurem "engrandecer a alma" de outras formas e procurar outras pessoas para incentivar...

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  4. Nossa, muito bom o texto, como sempre. Sempre me choco quando alguém diz que não gosta de ler, que ODEIA livros. COMO ISSO É POSSÍVEL?

    Agora vendo por esse ângulo posso compreender e entender o outro lado.

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  5. Olá Robledo, ótimo texto!
    Acredito que eu adoraria fazer mais pessoas lerem, mas, eu entendo perfeitamente que existam pessoas que preferem sei lá... uma partida de futebol, um desfile, qualquer outro tipo de coisa a ler livros. Preferem filmes e tudo mais. Acho que para conhecer o mundo dos livros, você pode sim dar um empurrãozinho, mas, nada forçado, pq aí pode funcionar como a escola, que impõe um livro que todo mundo precisa ler e aí a pessoa fica cheia dos livros e com raiva pq obrigam ela a isso e isso e blablabla. Mas, sinceramente, se não querem ler mesmo vc tendo ajudado, acredito que vc pode ao menos pensar que tentou ^^
    Livros são ótimos, mas, eles não seriam tão bons se vc o enfiasse goela abaixo de alguém, assim como eu não gostaria que exigissem que eu fosse a um jogo de futebol ou sei lá, hahahahaha... cada um com sua preferência e a vida segue não é :D

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  6. Oie, to retribuindo o comentário.
    Excelente texto, as pessoas acham que eu sou exatamente isso que vc colocou no começo do texto, introspectivo, porque eu gosto de ficar em casa lendo em vez de sair pra festa ou coisa assim, e elitista, mas eu acho que quem gosta e quer ler dá um jeito, eu não sou rico mas tenho uma pequena biblioteca em casa e sempre estou comprando livros novos, porque eu sempre guardo todo o dinheiro que cai na minha mão. Pra mim falta de dinheiro é desculpa esfarrapada pois o individuo pode ir para uma biblioteca pública. Bem é o que eu penso.

    http://viciadoemlivrosefilmes.blogspot.com/

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  7. Olá Robleto Filho! Fiquei admiravelmente invejada por sua escrita. Seu pensamento é muito reflexivo, e aberto. Acredito que assim como há a desigualdade social, ou financeira, há a desigualdade cultural. Porém isso não é definido por bairro, localização, ou salário que recebe. É uma desigualdade muito presente, muito próxima e inacreditável. Já experimentei a sensação maravilhosa de ter alguém que entrou no mundo da literatura por mim... é algo inexplicável. Obrigada pelas palavras. Um grande abraço,

    Alessandra Bussi - Colaboradora de Sonhos entre Pontinhos, coluna Estudante.com
    @alebussi

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  8. Ah adorei o texto, realmente muito bom.
    Incentivar a leitura é realmente muito gratificante, mas nem sempre é fácil e nem sempre se tem uma recompensa por este ato nobre, e você está certíssimo em dizer que somos generosos, só de ver uma pessoa lendo, já é nos sentimos recompensados.
    Tenho uma prima que dizia odiar ler, até ela conhecer um livro que fazia parte do gosto dela. Agora eu empresto livros á ela e fico grata por ela ter começado a ler por minha causa, é um sentimento indescritível!
    Você escreve sempre muito bem.
    Parabéns!
    Um Beijão!
    Camila Leite

    @sonhospontinhos
    www.sonhosentrepontinhos.com

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