segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

[Resenha] Lauren Oliver - Antes que eu vá

A protagonista de Antes que eu vá, Samantha Kingston, é a mais arquetípica das estudantes do Ensino Médio americano: popular, incrivelmente fútil, namorada do rapaz mais cobiçado da escola e melhor amiga de três outras garotas exatamente iguais a ela. A sua vida segue o mesmo roteiro previsível e irritante que nós conhecemos dos filmes de Hollywood até que, no dia 12 de fevereiro, Sam morre durante um acidente de carro. Ao contrário do que se pressupõe que aconteça nesse instante, entretanto, a colegial não vai ao paraíso, tampouco ao inferno. Ela não palmilha até o purgatório ou recebe a visita de um mentor espiritual. Samantha simplesmente tem a sensação de estar caindo indefinidamente até que acorda, atordoada, e vê que seu celular marca dia 12 de fevereiro. É novamente a manhã do dia de sua morte.

A estratégia de Oliver é utilizar a contínua repetição do fatídico dia - Sam acorda sete vezes em doze de fevereiro - como forma de exibir o amadurecimento de sua personagem. Como os fatos são basicamente os mesmos em todas as ocasiões, todas as espécies de variação estão na mão de Sam: ela é a única que sabe o que está acontecendo, e somente ela tem o poder de agir de modo a mudar o rumo que os fatos tomam. É sob essa atmosfera que se desenvolve Antes que eu vá, um romance infanto-juvenil sobre o poder de nossas escolhas, as consequências de nossas ações e a existência de um sem-número de possibilidades no dia mais banal de nossas meras existências mortais.
Nunca acreditei em paraíso. (...) Mas também nunca acreditei que pudesse ter de reviver um dia para sempre. Não é mais louco do que o que já me aconteceu. Talvez o objetivo seja que eu tenha de provar que sou uma boa pessoa. Talvez eu precise provar que mereço seguir em frente.
Antes de mais nada, não há motivo para desistir do livro por causa do caráter extremamente superficial de Samantha no início da obra. Faça o seguinte: revolte-se. Tenha vontade de jogar o seu exemplar contra a janela, porque assim você maximizará a sua experiência com Antes que eu vá. O que acontece é que a proposta de Oliver é claramente maniqueísta, isto é, a graça da leitura é perceber como o caráter de Sam migra gradualmente de um extremo para o outro. A cada vez que ela visita o dia de sua morte, ela percebe - ao seu redor, em suas amigas, nas pessoas que ela humilha - oportunidades de melhorar as coisas, de redescobrir o próprio caráter e de salvar a si mesma. Todavia, trata-se de um processo lento e conturbado, mas completamente crível, apesar do caráter lúdico da obra.

Antes que eu vá transborda verossimilhança. Não se engane: se você odeia as colegiais praticantes de bullying que lhe são apresentadas logo no primeiro capítulo, então, meu caro, você já está acreditando em tudo que se desenrola à sua frente. Por mais que recorra a alguns estereótipos de forma a demonstrar cada um dos comportamentos que Samantha assume a cada vez que revisita o dia 12 de fevereiro - há a Sam revoltada, a Sam confusa, a Sam arrependida -, Oliver consegue fazer com que seus leitores acreditem piamente em cada uma dessas personalidades. Eu mesmo me vi desejando que uma das peregrinações da protagonista não chegasse ao fim, porque eu nutria um profundo sentimento de admiração para com a personagem à minha frente.
E penso em todas as vezes em que fiquei sentada em silêncio, apavorada ou fazer a coisa errada, com medo de que a perdedora dentro de mim, desajeitada, nerd, e que montava a cavalo, ressurgisse e engolisse a minha nova versão, como uma cobra comendo alguma coisa.
Em termos de linguagem, tenham atenção: o tempo verbal predominante é o presente do indicativo. Isso pode incomodar algumas pessoas, mas eu garanto que, após algumas páginas, você deixa de prestar atenção a esse tipo de coisa e é completamente envolvido na narrativa suave de Lauren Oliver, em seu estilo apinhado de comparações e fragrâncias. Até mesmo pelo público ao qual a obra se direciona, não há nenhuma complexidade no que tange ao vocabulário, e o livro pode ser lido em pouquíssimos dias. É curioso notar que Antes que eu vá é o romance de estreia de Lauren Oliver, mas que ultrapassa Delirium em vários aspectos. O meu palpite é que, ao passo que Delirium é apenas o primeiro de uma saga, Antes que eu vá é um livro único - ou seja, é tudo ou nada. Não há a opção de deixar o brilhantismo para a continuação.

Também vale realçar que a narrativa é toda em primeira pessoa e que, apesar de sua condição um tanto quanto paranormal, Sam não é onisciente ou onipresente. Isso significa que não há um aprofundamento psicológico nos demais personagens, e a tendência é que muitos se mantenham constantes durante o desenrolar da obra - até porque, em termos de veracidade, o contrário seria absurdo. Samantha é a única que têm consciência de que está revivendo o mesmo dia seguidamente, e ela tem a vantagem de se lembrar de tudo aquilo que fez em cada ocasião. Os outros não têm acesso a nada disso. De certa forma, esse é mais um recurso usado para deixar o leitor aflito e impedir que você, meu caro, largue o livro. E funciona.
É impressionante como as coisas mudam com facilidade, como é fácil começar na mesma estrada que sempre pega e parar em um lugar novo. Um passo em falso, uma pausa, um desvio, e você acaba com novos amigos, uma reputação ruim, um namorado, ou um término de namoro. Nunca me ocorreu antes; nunca pude enxergar. E me faz sentir, estranhamente, como se todas essas possibilidades existissem simultaneamente, como se cada momento que vivemos contivesse milhares de outros momentos diferentes.
Antes de encerrar a resenha, eu gostaria de dizer que, no final do primeiro capítulo, tinha a intenção de dar nota 3,5 a Antes que eu vá. Como vocês poderão ver a seguir, fui indiscriminadamente manipulado pela argúcia de Lauren Oliver. Quem diria?

Título: Antes que eu vá.
Autor: Lauren Oliver.
Editora: Intrínseca.
Tradução: Rita Sussekind
Número de páginas: 358.
Avaliação: 5 de 5. 

11 comentários:

  1. Eu tb me incomodo um pouco com leituras no presente. Foi o que aconteceu no início de "Sobrenatural", mas assim como você, me acostumei rápido.
    Taí um livro que ainda não chamou a minha atenção... quem sabe um dia?

    Bjs
    Bia
    www.amormisterioesangue.com

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  2. Que resenha grande, moço! kk Eu li esse livro e amei também. É ótimo, mas no começo eu também ia dar uma nota bem baixa haha Amei a sua resenha. Foi muito bem escrita, parabéns!

    http://thebookofmydreams.blogspot.com/

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  3. Que resenha, Robledo :D
    Quero muito ler esse livro, pelas indicações do pessoal *-*
    Parabéns pela resenha !

    Beijos :*
    Natalia. http://www.musicaselivros.blogspot.com/

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  4. ooooi!
    eu to com esse livro pra ler desde a bienal e tenho adiado por conta dos compromissos com uns livros de parceria... Mas depois de ver ROBLEDO dando 5 de 5 e falando tão bem assim de um livro mais voltando para um público adolescente... Sinceramente, ele acabou de ganhar certa prioridade nas minhas leituras haha. Vou ler o mais rápido possível *-* Já tinha muita curiosidade mas agora estou pirando, rs.

    Beijos, Nanda
    www.julguepelacapa.blogspot.com

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  5. Bom dia, amigo!

    O bom de ler resenhas aqui, no LLM, é que ou você tem o desejo de ir correndo comprar o livro ou desiste de vez dele *.*

    Fico feliz que tenha tido essa opinião - no geral - positiva do livro, mesmo com o desagrado no início, porque eu tinha um leve desejo de lê-lo, mas agora entrou na meta do ano. Eu amo livros em série por causa do fator humano, do amadurecimento. E livros que conseguem retratar isso em um só volume são ainda mais dignos de aplauso.

    Parabéns, mais uma vez, querido =*

    Beijos, meninos o//

    This

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  6. Oi Robledo!
    Confesso que fiquei surpresa quando você deu essa nota para o livro. Sempre imaginei você lendo outros tipos de livros e achei que esse não o agradaria, mas estava totalmente errada.
    Ainda não li Antes que eu vá, mas a ideia da autora é bem interessante. Fez lembrar uns desenhos animados (sim, eu via desenhos) no qual os personagens repetiam o mesmo dia várias vezes, mas Antes que eu vá parece ser bem mais maduro do que um simples desenho.
    Adorei a resenha.

    Bjs
    Gabi Lima
    http://livrofilmeecia.blogspot.com

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  7. Lauren Oliver quase nos enganou. Eu fiquei muito surpresa, também, com a mudança que Sam apresenta ao longo dos seus ''dias iguais'' se podemos chamar assim. Eu, influenciável que sou, fui acreditando em cada uma das Sam apresentadas e me vi abobalhada com o final. Creio que o mais interessante seja acompanhar as mudanças e os pensamentos dela - porque se a narração fosse em terceira pessoa, por exemplo, iríamos ficar perdidos nas personalidades. Talvez. Lauren caprichou, concordo. *-* Adorei sua resenha, Robledo *o*
    Beijones,


    Rachel Lima
    http://corujando.org

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  8. Que bela capa, que ótima resenha, estimula a leitura!
    Parabéns pela continuidade da parceria com a Intrínseca!
    bjs Sandra
    http://projetandopessoas.blogspot.com//

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  9. Amei sua resenha! De tanto ver esse livro nos blogs, eu tinha ate enjoado e desanimado de ler, por mais que falem bem. Mas voce definitivamente me incentivou a ler o quanto mais cedo possivel *-*

    xx carol

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  10. Ótima resenha! Eu adorei o livro, a leitura é intrigante e a mensagem é muito forte. Acho que não é uma leitura muito leve, mas penso que todos deveriam ler.

    Gabi

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  11. Gostei muito do modo como você abordou o livro, já tinha ouvido falar porém ainda não tinha lido uma resenha tão detalhada como a sua.Parabéns
    Com certeza esse livro estará na minha lista de metas para esse ano.
    BJS
    http://falleninme.blogspot.com/

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