sábado, 21 de janeiro de 2012

Palavras sobre palavras: todo leitor pode ser um escritor?

fonte: anitaleocadia.tumblr.com
Quando assoma um debate sobre os benefícios que o hábito de ler garante àquele que o pratica, é inevitável que surjam comentários sobre a relação entre a quantidade de livros lidos por alguém e a qualidade de sua escrita. Uma das recomendações mais frequentemente fornecidas àqueles que buscam dicas sobre como escrever bem é a seguinte: leia mais. De uma maneira geral, todos sabemos que o contato íntimo com a literatura esmera o conhecimento vocabular, aumenta o número de estruturas sintáticas conhecidas e, por isso mesmo, aprimora a qualidade dos textos produzidos pelo leitor. Há um estudo que diz que nós precisamos ver uma construção linguística seis vezes para que o nosso inconsciente a absorva; logo, espera-se que, quanto mais livros lidos, maior seja o nosso domínio sobre a Língua com a qual convivemos.

No entanto, será que estar familiarizado com as principais classes gramaticais e saber o papel desempenhado por cada função sintática basta para que um indivíduo possa se consolidar como escritor? Há uma diferença entre escrever corretamente e escrever bem, ou pode-se dizer que, desde que seus parágrafos não exponham erros de morfossintaxe e ortografia, o produto final é de qualidade? E, sobretudo: se todos nós estudamos a nossa Língua materna desde a mais tenra idade, e temos nossa destreza linguística constantemente julgada, então por que tão poucos - em termos relativos - se imortalizam nas prateleiras? Se, desde o começo dos tempos, tantos adquiriram gosto pelo hábito de confessar sentimentos ao papel, por que a literatura consagrou apenas alguns gatos pingados, garantindo às suas obras o frenesi de eternas releituras?

A resposta é tão simples e tão cruel quanto parece. De todas as opções possíveis, a alternativa correta é a que melhor revela o caráter árduo e angustiante da profissão: todo escritor é um leitor, necessariamente. Mas nem todo leitor é um escritor. Isso acontece por alguns fatores básicos. Primeiramente, vale ressaltar que há milhões de livros que podem ser lidos, e que cada um deles comporta milhões de possibilidades diferentes de leitura. Francine Prose, estudiosa do assunto e autora do livro Para ler como um escritor, chega a propor uma forma criteriosa de análise, por meio da qual um leitor pode perder duas horas mergulhado em duas páginas, estudando minuciosamente cada palavra ali disposta. Segundo Prose, é esse tipo de contato que tem o potencial de elevar meros escrevinhadores ao hall dos ilustres poetas e romancistas. A pergunta é: por quê? Perder duas horas em duas páginas não é uma perda de tempo sem sentido e sem propósito?

Ora, talvez não seja tão ultrajante assim. Por mais que grande parte da população leitora demonstre aversão aos clássicos, a verdade é que aquele que deseja ser imortalizado pela literatura precisa conhecer meticulosamente a obra daqueles que foram eternizados até então. Saramago, Rosa, Brönte e Flaubert podem oferecer dificuldades àqueles que procuram investigar suas produções, mas ninguém disse que o caminho era desprovido de espinhos. O contato com os grandes autores, além de naturalmente realizar uma aproximação entre o leitor e as áreas mais eruditas e profundas da Língua, revela aos iniciantes o segredo do jogo: o que diferencia o escritor ordinário do romancista atemporal é a capacidade que este último tem de brincar e dançar com as palavras, deleitando-se com as infinitas combinações que um código linguístico oferece.

Para tornar a jornada ainda mais exaustiva, o estudo não para por aí. Conhecer os clássicos desenvolve imensamente uma das habilidades que alguém precisa possuir para se tornar grande, mas nem por isso esse tipo de leitura, sozinho, vai capacitar o tal indivíduo para a imortalidade. Um bom escritor tem conhecimento de mundo, e esse tipo de coisa é frequentemente associado à maturidade que apenas os anos trazem. Um exemplo palpável: na descrição de uma floresta, um amador provavelmente falará do caráter alto e acolhedor das árvores, talvez dizendo que as folhas eram de um verde deslumbrante. Alguém preparado para lidar com as palavras saberá dizer exatamente quais flores podem nascer naquela floresta, em que época do ano. Essas informações podem tornar a obra mais densa, mas certamente provam para qualquer leitor que a mente por trás da publicação sabe exatamente o que está fazendo.

Logo, o que se pode concluir é que um rapaz pode ler trezentos e cinquenta livros por ano e nunca chegar a publicar um romance decente. A leitura é, indubitavelmente, um gatilho para a expansão do potencial criativo, mas é preciso conhecer e desconhecer as suas múltiplas facetas. Escrever é muito mais difícil do que ler, porque escrever é redescobrir a própria essência e assustar-se perante a própria ingenuidade. Conhecer as regras gramaticais é apenas a ponta singela do imensurável iceberg de uma Língua, qualquer que seja esta. Nenhum dos grandes mestres limitou-se a saber que o correto é Nós vamos, e não Nós vai. Todos eles foram muito além, mergulhando na metafísica do hábito e aprendendo a dançar a valsa lânguida das palavras. Muita gente diz que a boa literatura é fruto de 10% de inspiração e 90% de transpiração. Mãos à obra.

9 comentários:

  1. Nossa, o texto, o tema foi (ao meu ver) inovador e muito bem trabalhado.
    Eu pessoalmente acho que apesar de um simples leitor se tornar um bom escritor seja uma tarefa difícil que merece total determinação, penso que não é impossível.

    Abraço!

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  2. Oi.
    Robledo :D
    Tudo bem?

    Olha que texto, hein? Muito bem feito.
    Concordo contigo de que nem todo leitor pode ser um bom escritor, eu sou um desses leitores. Por muitas vezes o fato de ler ajuda em várias coisas, um deles é a enorme imaginação dos leitores, aqueles frenéticos. \Õ/ e inclusive a ortográfia e tals...

    Beijos :*
    PARABÉNS PELO TEXTO.
    Natalia.
    http://www.musicaselivros.blogspot.com/

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  3. Acho que. não é porque é um leitor, que obrigatoriamente deve se tornar um escritor. A escrita é algo muito complicado de se lidar, nem todos tem paciência de gastar o tempo dedicando-se às palavras, aos detalhes, e a essência da história em si. Criatividade pode até ter de sobra, mas não as vezes não basta. Inclusive, talento é muito importante nessa carreira, o que, lógico, se adquire no decorrer do tempo e aprendizado.

    xx carol

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  4. Caracas!!!!! Adorei a posta e fiquei pensando que escrever um livro não é simplesmente escrever a esmo. Agora nem sei o que escrever.

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  5. Todo leitor pode ser um escritor?

    Antes de ler o post eu já digo: Acredito que quase todo leitor pode ser um escritor sim, só que nem sempre o escritor de uma obra tão grande quanto livro, pode ser de crônicas, de teses, de uma coluna em um jornal, de resenhas, de uma boa dissertação na escola ou na faculdade.
    Ainda, tem aquele leitor que apenas gosta de sentir o prazer de ler uma obra e viajar pelo mundo dos personagens, mas que não leva o menor jeito com as palavras.

    Penso, que além de ter uma boa escrita o indíviduo deve ter um certo talento ou, então, uma história bem amarrada que não de tantos problemas no desenrolar do enredo. E, também, muito esforço.

    É verdade que quem lê mais escreve melhor, mas isso não quer dizer que seja capaz de escrever um livro, é diferente.

    Por isso, concordo nem todo leitor é um escritor.

    Eu já li muito na minha vida, e as pessoas perguntam: por que você não escreve um livro? Não é bem assim, não é porque leio muito que quer dizer que eu leve jeito para escrever uma obra formidável.

    E, muitas vezes, não basta escrever, tem que realizar diversas pesquisas para não falar abobrinha em relação ao período que se passa o livro se não for uma ficção.

    É vero. Concordo. Enfim, não basta saber escrever.

    Adorei!

    Beijinhus
    Babih Hilla
    http://revolucionandogeral.blogspot.com

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  6. Oi Robledo!

    Ah, na minha humilde opinião, pra escrever bem não basta ler não. Quantas vezes já me deparei com erros grotescos em blogs literários que já têm certo tempo de existência... Resenhas sem nexo, etc. Concordo com o que disse, nem todo leitor é um escritor.

    Mais uma vez, parabéns pelo texto!
    Beijos,
    Amanda.

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  7. Oiii!
    Mais um texto desses super inspiradores e que nos fazem pensar daqui, ADORO! Bom, isso é mesmo um assunto super tabu, mas é fato mesmo que quem lê mais escreve melhor... Fazer um livro são outros quinhentos e acho que todos nós, bookaholics ou não, já passamos por isso, a frustração de não conseguir escrever um livro, rs. Até encontrarmos "O LIVRO" (Né Caíque?!) e tentarmos.. tentarmos... Mas é sempre complicado, rs. Adorei o texto e só me deu vontade de me dedicar mais ao meu projeto No 7236 rs.

    Beijos, Nanda
    www.julguepelacapa.blogspot.com

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  8. Oi Caíque!!!

    Não acho que todo leitor possa ser escritor!
    Nem todo mundo tem esse dom...afinal ler é fácil mas criar mundos, histórias encantadoras que prendam quem está do outro lado é muito difícil.
    Sei que nesse mundo de blogs tem muita gente lançando livros...assumo que por enquanto nunca tive vontade ...uma coisa e'escrever coluna sobre o assunto , fazer matérias...isso é uma coisa.
    Um livro é outra bem diferente.


    Bjos

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  9. Como sempre você dando um show de escrita.
    Muito bom o texto e ele me leva á uma frase interessante, que encontra-se no meu perfil do meu skoob, desde a sua criação, que é a seguinte:

    "A maior parte do tempo de um escritor é passado na leitura, para depois escrever; uma pessoa revira metade de uma biblioteca para fazer um só livro."

    Essa frase pode ser uma síntese do seu texto.
    A verdade é que não há, em si, uma única forma para o Sucesso, se não, algum espertinho, já estaria milionário com o livro sobre.
    A realidade é que cada autor tem uma essência, e nem todos sabem transpaçá-las da maneira correta.
    É claro que para ser um autor, é preciso antes ser um leitor ávido.
    Mas o que quero dizer é que, todos - pelo menos os que leem muito - podem escrever, mas nem todos tem o dom de passar ao próximo a magnetude de sua história, digo.
    Você conhece sua história como ninguém, e ás vezes um autor perde-se nesse pensamento de que "eu conheço" mas será que você pode fazer as pessoas "conhecerem" como você?

    Eu já nem sei mais do que estou falando... (risos)
    Um Beijão!
    Camila Leite

    @sonhospontinhos
    www.sonhosentrepontinhos.com

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