quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

[Resenha] Rosamunde Pilcher - Os Catadores de Conchas

Rosamunde Pilcher publicou Os Catadores de Conchas aos 63 anos de idade. Embora seja ousadia afirmar que a idade de uma pessoa é diretamente proporcional ao seu nível de maturidade, qualquer leitor que se dispuser a ouvir a história contada pela autora há de concordar com isto: Rosamunde nos presenteou com um romance impregnado por um aroma de sensatez e experiência. Sem que precisasse recorrer a estratagemas comerciais de forma a cativar aqueles que a leem, a romancista construiu, com precisão milimétrica, uma história de caráter profundamente coerente. Ler Os Catadores de Conchas traz, como consequência, uma voraz identificação com os personagens descritos, as situações vividas e as sensações experimentadas. É a realidade desenhada como tem de ser: simples, modesta e belíssima.

De uma forma geral, o livro conta a história da família Keeling. Penelope, a matriarca desse grupo singular, é filha de um pintor falecido, cujas obras repentinamente adquirem um valor considerável no mercado de leilões. Penelope herdou do pai o belíssimo quadro Os catadores de conchas, que ocupa lugar de destaque em sua pequena residência. A personagem é perfeitamente cônscia da quantidade extraordinária de dinheiro que ganharia ao vender a pintura; entretanto, tem demasiado apego à obra para vendê-la, preferindo mantê-la à vista na reservada comodidade do seu lar. Tal decisão, por parte de Penelope, desperta reações distintas em seus três filhos - Noel, Olivia e Nancy -, que estão dispostos a argumentar com a mãe até que ela se renda e venda o quadro. Esse é o pilar central da história. Contudo, Os Catadores de Conchas tem, exatamente, 700 páginas. Como desenvolver essa questão simples em tantos e tantos parágrafos?
Olivia não se preocupou com isso. Não receava por Os catadores de conchas. Lawrence Stern dera o quadro para a filha como presente de casamento, sendo mais precioso para Penelope do que todo o dinheiro do mundo. Ela jamais o venderia. Nancy - e Noel também, por sinal - simplesmente teria de ficar esperando que a natureza seguisse seu curso, e Penelope finalmente morresse. Coisa que, segundo Olivia esperava devotamente, ainda levaria anos para acontecer.
Muito simples. Além de não se ater à linearidade dos fatos, fazendo constantes passeios ao passado, Rosamunde Pilcher faz o que os autores principiantes provavelmente temem realizar: a romancista pouco recorre aos grandes fatos e reviravoltas, apegando-se às particularidades do cotidiano e da rotina. Na maior parte de sua narrativa, a autora nos entretém - porque isto não se torna maçante em momento algum - com comentários sobre o almoço e as flores, o chá e o ritual de manuseio de ferramentas de jardinagem. A experiência de Rosamunde permite que ela prive esses acontecimentos do cotidiano do seu semblante enfadonho; sob a ação da magia da autora, cada ação se volve em um pequeno espetáculo da vida, em um pequeno detalhe que torna a própria existência mais bela.

Assim, embora siga fielmente a proposta original da sua trama, Os Catadores de Conchas contém, em suas entrelinhas, um tom filosófico. Não é algo aparente, porque a narrativa poucas vezes parte rumo a devaneios e digressões, mas algo que precisa ser sutilmente captado pelo leitor atento e curioso. Enquanto nos descreve  as minúcias da vida de suas personagens, Rosamunde constrói um invisível tratado sobre a beleza das pequenas coisas e dos minúsculos prazeres. Seu romance é dotado de uma elegância sem precedentes: se alguém lesse toda a extensão d'Os Catadores de Conchas em voz alta, provavelmente usaria um tom grave e contido, mas melodioso, sem histerias agudas. A própria constituição do livro nos desacelera a respiração, surpreendentemente.
- Na minha opinião, o luxo é a satisfação total e simultânea dos cinco sentidos. Estou aquecida e, se quiser, posso estender a mão e tocar a sua. Sinto o cheiro do mar e também que, dentro do hotel, alguém está fritando cebolas. Um aroma delicioso. Estou saboreando cerveja gelada e posso ouvir as gaivotas, a água batendo e o motor do barco de pesca fazendo tchuc-tchuc-tchuc, de uma forma extremamente agradável.
Bálsamo que é, o livro não agradará a todos os tipos de leitores. É possível que aqueles acostumados às narrações mais agitadas e fantasiosas sintam-se limitados com a narração comedida e sorridente de Rosamunde, mas é tudo uma questão de treino. É facílimo rejeitar Os Catadores de Conchas sumariamente, mas é muito mais construtivo treinar a própria percepção e o próprio inconsciente para receber a mensagem de paz e tranquilidade que o livro transmite ao decorrer de sua longa e lenta narrativa. Leva-se um tempo para concluir a leitura da obra, mas acreditem: a autora nos tira uma película da pupila quando finalmente finda sua história. Se a mensagem for corretamente absorvida, as flores ao seu redor tornar-se-ão mais bonitas. O café no final da tarde assumirá um significado mais profundo e sinfônico. A rotina se renovará.

E é por isso que Os Catadores de Conchas, como poucos outros, recebe a nota máxima. Porque, como toda boa literatura, perturba. Fá-lo, todavia, com sutileza e afeição: perturba-nos porque nos faz perceber que, diariamente, à nossa volta, ocorre um luminoso espetáculo de pequenos deleites e experiências agradáveis. E sequer nos damos conta disso.

Título: Os Catadores de Conchas.
Autor: Rosamunde Pilcher.
Editora: Bertrand Brasil.
Número de Páginas: 700.
Avaliação: 5 de 5.

9 comentários:

  1. Adorei seu resenha Robledo! Eu li Os Catadores de Conchas e adorei o estilo da Rosamundo. Mas o livro que me conquistou foi Solstício de Inverno. Não sei se vc já leu, mas é lindo demais. Envolvente. Eu me deliciei com cada palavra escrita. Você conseguiu captar isso muito bem e conseguiu transmitir isso na sua resenha. Parabéns!

    Beijo

    Eliane (Leituras de Eliane)

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  2. Robledo, que linda resenha!
    Só li uma obra de Rosamunde (O Carrossel) e há muitos anos, mas lembro de ter gostado. Não achei maravilhoso, na época, mas gostei. Acho que valeria a pena ser relido!
    De qualquer forma, você me encantou com sua resenha! Fez comentários sobre o livro que chamaram demais minha atenção: a sutileza da filosofia, a beleza que o livro transmite, bem como todas suas agradáveis sensações.
    Um livro que certamente preciso ler!
    Beijos!

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  3. Linda, linda resenha, Robledo <3
    Belíssimas palavras, e honestidade em cada uma delas, que é o que mais admiro nas resenhas aqui *.*

    Amigas minhas já me recomendaram a autora porque afirmaram que eu gostaria do estilo Pilcher- e especialmente porque ela é grandiosa!! Ainda não pude ler um livro dela, porém =/

    Espero poder tê-la na estante! Já ouvi dizer que todos os livros dela são generosos em tamanho, e quanto maiores melhores ^^ Ela vai ter uma seção inteira reservada =)

    Beijoss Robledo e Caíque =**

    This
    Canto e Conto

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  4. 1. Robledo, suas resenhas me fazem querer cortar meus pulsos literários. Vc é bom demais pros outros blogueiros ousarem continuar escrevendo.

    2. Achei bastante à lá Lago dos Sonhos, esse livro. Não sei se gostaria de ler, meu gosto literário é mais promíscuo.


    Beijinho - E saudades de vc no Felizvros!
    Mariana Melo
    www.felizvros.com

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  5. @Mariana Melo Obrigado pelo elogio quanto à resenha, Mari!

    Sobre uma possível comparação entre Lago dos Sonhos e Os Catadores de Conchas: fique tranquila. Entendo que o seu gosto literário seja "mais promíscuo", mas a Rosamunde Pilcher desenvolveu um romance bem mais preciso e interessante do que o da Kim Edwards. Por mais que as duas foquem no aspecto rotineiro da vida, garanto-lhe que Rosamunde é muitíssimo mais bem-sucedida na tarefa de transmitir o encanto do cotidiano ao seu leitor.

    Obrigado pelo comentário!
    Grande beijo!

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  6. Li a sua resenha mas, o tipo de livro é algo que não me interessa.

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  7. procurando dados bibliográficos de Rosamunde, encontrei seu blog. Compartilho com você todos os comentários a respeito desta maravlhosa escritora. Tenho todos os livros publicados no Brasil, com exceção de Morangos Silvestres, que cheguei a encomendar em Portugual, mas, pelo jeito, aí, também está esgotado...Já li todos os romances, relei - os de tempos em tempos - atualmente, releio 'Setembro'- mas, o que mais me enternece, e já reli tres vezes, é Solsticio de Inverno. É uma escritora que não há palavras para descrevê - la, o ideal é abrir um dos livros dela e iniciar a leitura. O leitor é arrebatado. Para quem não a conhece, recomendo o início da leitura de Rosamunde, justamente por Solsticio de INverno. SEguido de Catadores de Conchas, e, após Setembro, eis que neste último, ela resgata um personagem de Catadores...em Portugual chamado "Apanhadores...'. Depois destes três, o ideal é ler alguns menores, tais como, a Casa VAzia, Vozes no Verão, Sob o Signo de Gemeos..etc...

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  8. Nossa, que jeito inusitado de nos encontrar, Elisabeth! Bom, o Robledo leu e resenhou este livro de uma maneira realmente apaixonante, mas infelizmente ele saiu do blog e não pode compartilhar mais de suas ideias através do seu comentário tão bacana. É ótimo ver que, mesmo os autores não tão conhecidos e divulgados, podem ser essenciais na vida de um leitor, levando-o a acompanhar todo o seu trabalho. Adorei seu comentário, obrigado mesmo, um beijo (=

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  9. Que resenha maravilhosa! Através de suas palavras revivi todas as sensações que tive quando li Os Catadores de Conchas. Sobre a questão filosófica subentendida durante a leitura eu só me dei conta agora. Talvez esse tenha sido um dos motivos do qual eu ao terminar a leitura tenha me sentido tão bem. Adoro encontrar felicidade na minha rotina, assim como o romance descreve de forma simples, mas profunda.

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