quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

[Resenha] Constance Briscoe - Feia

Ler uma história real e ler uma ficção são duas coisas completamente diferentes. Por mais que a narração de determinada obra ficcional seja incrivelmente comovente e tocante, sempre podemos experimentar o reconforto de saber que os fatos ali narrados não aconteceram verdadeiramente. Há uma fina película que nos impede de realizar um confronto absoluto com as realidades unicamente imaginadas pelas mentes de habilidosos autores. Todavia, quando nos deparamos com um relato fiel ao desenrolar dos fatos, nossa postura altera-se imediatamente. De uma forma ou de outra, a leitura assume um caráter inteiramente ímpar e inesperado. Principalmente quando nos encontramos de frente a uma história que não precisa de vampiros, anjos, fadas ou lobisomens para se revelar angustiantemente assustadora.

Feia é a narração da infância de Constance Briscoe, feita pela própria autora. Se algo o fizer rejeitar o livro, meu caro leitor, então que tal fator não seja o seu caráter autobiográfico. Eu lhe prometo que, nesta publicação da Editora Bertrand Brasil, você não encontrará uma vastidão de nomes e datas, tampouco se deparará com uma narrativa monótona e previsível. Se algo o fizer rejeitar o livro, então que seja o medo. A insegurança. Jogue Feia no mais inalcançável fundo do seu armário caso tenha receio de ler sobre uma infância plena de maus-tratos, abusos físicos e psicológicos, total ausência de amor e afeto. Só compre o livro se estiver disposto a acordar para a realidade implacável de que nem todas as mulheres nutrem incondicional carinho em relação a seus filhos.
Estávamos todos sentados em volta da mesa, esperando que o jantar fosse servido, quando a minha mãe tirou o meu prato e o pôs de lado. Ela então serviu o jantar para todos os outros. Fui ignorada. Eles comeram batata assada, frango, cenoura, batata-doce, cebola e molho. Quando perguntei à minha mãe onde estava o meu jantar, ela disse que se eu comesse, a comida ia ser digerida rápido demais e eu ia molhar a cama. Ela então pegou o meu suco de laranja e o bebeu de um só gole. Pôs o copo vazio na mesa, na minha frente.
- Hoje você vai passar a noite a seco - ela disse.
Do começo ao fim, trata-se de um livro angustiante. Dói ver como Clare (como Constance era chamada) assume uma postura de impotência perante as atitudes monstruosas da mãe: cada nova surra é recebida com silêncio, porque Clare sabe que não tem formas de vencer sua progenitora. Quando sua mãe faz com que a cama da filha desapareça por alguns dias, Clare simplesmente usa algumas roupas velhas para que possa dormir semi-confortavelmente no chão, aceitando seu castigo. Quando uma forte pancada em sua cabeça gera um sangramento incessante, Clare continua a preparar o jantar, não aceitando que nenhuma de suas irmãs cuide do ferimento. Esses fatos deixam o leitor em uma posição ambivalente: ao mesmo tempo em que nutrimos profunda admiração pela força da pequena garota, um sentimento de absoluta raiva nos invade o peito. Contra todos os preceitos da ética e dos bons costumes, desejamos que algo ruim acabe acontecendo à mãe da garota. A vontade nasce em nós e se intensifica, capítulo após capítulo.

Se Constance Briscoe não é uma escritora excelente e não faz grande trabalho com a linguagem, então eu lhes asseguro que esse tipo de cuidado estilístico é desnecessário. A intensidade da história relatada é tão grande que, por si só, as memórias de Clare já nos deixam atordoados. Se a história fosse contada em literatura de cordel, creio eu, o efeito seria o mesmo; desta vez, o importante não é a maneira como os fatos são relatados. A história tem peso suficiente para se autossustentar, fazendo com que o leitor desabe perante um relato tão singelo e tão sentido.
- Você está sempre me arranjando problema. Por que você não pode ser que nem os outros? Aborto não era legal quando eu estava grávida de você, senão eu tinha dado um jeito em você.
Por se tratar de uma história real pesadíssima, é claro que Feia não é um livro de fácil digestão. Os parágrafos correm com fluidez e facilidade, e é possível concluir a leitura em pouco tempo, mas o perigo reside nas imagens. Todas as descrições são altamente visuais, ainda que não tão detalhistas assim. A crueldade da mãe de Clare vem em doses constantes, mas sua intensidade é crescente. Apesar disso, no final das contas, Feia é um livro fortemente inspirador. Constance Briscoe tornou-se uma das primeiras mulheres negras a ocupar o cargo de juíza em um tribunal britânico (não se preocupem; isso não foi um spoiler). A chave, aqui, é descobrir o que ela teve de suportar até chegar a esse ponto. 

Não, não é uma leitura fácil. Mas vocês hão de concordar comigo: os melhores livros são aqueles que nos causam indigestão.

Título: Feia.
Autor: Constance Briscoe.
Editora: Bertrand Brasil.
Número de Páginas: 364.
Avaliação: 5 de 5.

__________________________________________________________________________________________
Só pegando um espacinho da resenha do Robledo para deixar o resultado do sorteio de marcadores e um bottom entre comentaristas no último vídeo. E a felizarda foi...


Parabéns Rachel! O sorteio foi feito pelo Random.org; estaremos enviando um e-mail pedindo seus dados para o envio do prêmio e você terá 48h para respondê-lo - do contrário faremos um novo sorteio. Fiquem ligados que ainda esta semana haverá um sorteio com os mesmos itens na página do Facebook do blog, só para quem "curte". E no domingo de Natal tem promoção imperdível entrando no ar aqui no LLM, não vai perder. Obrigado aos comentaristas participantes, foram poucos, mas vocês são demais!

17 comentários:

  1. GENTE DO CÉU. Primeiro, cara, ganhei a promoção. Na verdade, o que me levou a visitar este post hoje correndo foi o e-mail que eu recebi. Algo como, 'promoçao? Que promoção? SUHAUHSAUHS. Que sorte a minha! Já respondi o e-mail, obrigado *o*

    Voltando, SUHASUHAUSHAHSUA. Robledo, vou parar de falar que leio resenhas ótimas. Só a sua é ótima. Gente, impossível desgrudar os olhos. Estou precisando urgentemente deste livro. Nunca fui muito afim de biografias, nunca descobri qual o caráter delas que mais me afastava. Li uma, duas, poucas. Dá para contar nos dedos de uma mão. Esta vai entrar, com certeza. Conseguiu mexer comigo na resenha e algo me faz ter necessidade de saber da história de Clare ou Constance. Tocante. Ler uma história real e uma ficção são duas coisas completamente diferentes, mas creio que eu nunca tenha me deparado com uma narração de algo tão cruel como a infância desta mulher. Não sei muito bem o que aguardar das minhas reações durante esta leitura, mas farei questão de te atormentar para discutir o livro comigo depois, tenho certeza. Muito bom! Nossa, adorei. Não sei mais o que dizer, só que sua resenha está muito boa e eu não estava contando com este deslumbre por tão boa escrita quando eu comecei a ler, hahaha. Abraços, *-*

    Rachel Lima - Corujando

    ResponderExcluir
  2. Essa é a melhor resenha que eu já li.
    Nao tenho nenhuma vontade de ler biografias mas essa é uma que eu vou ser obrigada a ler, pois você mexeu com o meu subconsciente e ele nao vai me deixar sossegada até eu ler.
    Parabéns, adorei a suas dicas.

    Déborah, http://luzcameraacaoecorta.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  3. Preciso comprar esse livro AGORA depois dessa resenha.

    ResponderExcluir
  4. De fato, é MUITO diferente ler um livro criado somente pela nossa imaginação, e um livro que temos de ficar cara a cara com a realidade, o qual lemos, e esse mesmo sendo um grande exemplo, saber o quanto sofrimento ela passou, e o pior: que tudo foi real. Amei sua resenha, ainda mais por ser autobiografia, já que, ninguém melhor do que ela mesma para contar o quanto passou, e o quanto lutou!

    xx carol

    ResponderExcluir
  5. Auto-Biografia não é muito o meu estilo porque acho a escrita massante e sem criatividade! Mas do modo como você destaca o livro, feia parece ser bem interessante!
    Quem sabe um dia eu ainda não o leio? :)

    E Hoje tem um post novo no Sonhos entre Pontinhos que foi inspirado em uma das colunas de vocês!
    Confiram!!!
    Abraços,
    Camila Leite

    @sonhospontinhos
    www.sonhosentrepontinhos.com

    ResponderExcluir
  6. Auto-Biografia não é muito o meu estilo porque acho a escrita maçante* e sem criatividade! Mas do modo como você destaca o livro, feia parece ser bem interessante!
    Quem sabe um dia eu ainda não o leio? :)

    E Hoje tem um post novo no Sonhos entre Pontinhos que foi inspirado em uma das colunas de vocês!
    Confiram!!!
    Abraços,
    Camila Leite

    @sonhospontinhos
    www.sonhosentrepontinhos.com

    ResponderExcluir
  7. Não curto muito Auto-biografia, mas esse livro parece ser bem interessante porém triste, não é um livro que eu leria ou que interessou a minha vontade de ler :/ Mas a resenha ficou ótima!

    Caíque - http://entrepaginasdelivros.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  8. Oi Robledo!

    Esse livro está na minha lista de desejados no skoob tem um tempinho. E agora, não resta mais duvidas de que preciso ler. Também não leio muitas biografias, mas as que já li, gostei bastante. Me fascina ler a história de vida de algumas pessoas. Choca, surpreende e as vezes motiva, saber o como foi a vida de alguém. Gosto de livros fortes e verdadeiros, como esse parece ser. Serve como um tapa na cara, um "acorda pra vida".

    "os melhores livros são aqueles que nos causam indigestão." Assino embaixo.

    Beijos,
    Amanda
    Lendo&Comentando.

    ResponderExcluir
  9. nossa, só pela capa eu acabaria com o livro e não iria querer ler. Mas quando li sua resenha, me aguçou bastante a curiosidade, parece ser um livro espetacular! \õ/
    Quero ler agora hehehehe
    Eu achei a capa feia e o nome do livro é praticamente "feia" kk meio irônico talvez? D:
    não, não. rs
    Enfim, estou seguindo o Blog, achei perfeito. Muito bom.
    Segue meu cantinho se gostar também?
    papeldeumlivro.blogspot.com

    Abração, sucesso sempre! :D

    ResponderExcluir
  10. Caraca ai vc ver como é dificil a vida, vc para e da uma refletida na vida. Muito BOm

    ResponderExcluir
  11. “o livro 'Tia Rafaela', traz as memórias de um menino que teve os sonhos roubados. Não se trata de uma história comum – se é que qualquer história de pedoflia possa ser chamada de comum. Davi Castro não foi violentado por um padrasto ou um religioso celibatário, como geralmente são os casos que chegam à mídia. Davi Castro não foi vítima de um homem. Davi Castro foi seduzido pela professora de Educação Física.”
    Edison Veiga, jornalista de O Estado de S. Paulo

    Trecho do livro
    “Ela não se conteve e me deu um tapa na cara. (...) O barulho chamou a atenção de todos na delegacia (...): – Saia de perto dessa mulher, Davi! Eu posso até ser presa, mas eu mato essa pedófla! Aposto que se fosse um homem que tivesse comido uma menininha, ele já estaria atrás das grades, sendo estuprado pelos outros bandidos. Mas uma mulher, ou melhor, esse monstro que abusou de meu flho, está aqui com a cara lavada, de santa, e ainda jogando meu flho contra mim! (...) Depois que todos deram seus depoimentos, a delegada determinou que eu fosse para a casa de minha mãe. Fui sem nem me despedir de Tia Rafaela.”

    ResponderExcluir
  12. Whether you dear the out of sight aim gаmes, secret teaser gamеs oг the many other learning ability uѕe
    of reрresentative dungeons whіch Maintaіn the group
    detаchеd frοm the take а breather of the
    sеcret plan сreation. minutе, the еquations cаn actuallу bе νery neгve-racking.
    A slimlу уοunger femаle demograρhіc mаkеs uρ the mаjогity of fluid character ofdiffеrent
    fictitious characters, more popularly known as avаtars, andtгy to Creаtе these characters ωіnning
    with each challengе it fаcеs.

    Feеl freе to surf to my ωеb-ѕite - satyapur.com

    ResponderExcluir
  13. I really likе it when іndіviԁuals come together and ѕhare oρinіοns.
    Gгeаt ωebsіtе, κеep іt
    up!

    Loοκ into my websіte; thoi Trang cong so

    ResponderExcluir
  14. "FEIA"-Constance Briscoe

    Booom' Li Este LiivroooOO ee Miimm Suurpreende, Mta Maldade euu choreii mtooOO.

    .. FATOS REAIS: Realmentee ,Achei Interressante vc Falaaar Soobre oo Que Acontecia Na Sua Infanciaaa e na Suua Viidaa..

    Euu Haviiaa Liido oo Livroo " O Desperta de Uma Nova Consciencia. Quuue Euu Goosteeei Peloo Modoo de Apreseentaar aa Realidade do muundoo Entre Ouutroos...

    Paaraabéns Pelo Seu Desenpeenhoo Adooreeii oo LiivrroooO ... yy' Bjoos

    ResponderExcluir
  15. to lendo o Livro, mas eu me sinto na "pele" da menina que tanto sofreu. Nunca vi uma mãe que maltratasse tanto sua Filha...

    ResponderExcluir
  16. Que horror de mãe... merecia ser presa .

    ResponderExcluir

A sua opinião é mais do que bem-vinda aqui no blog. O único pedido é que você seja cortês ao expressá-la, evitando o uso de termos ofensivos e preconceituosos. Assim, todos poderemos manter uma discussão saudável e bastante proveitosa. Obrigado!