sábado, 19 de novembro de 2011

Palavras sobre palavras: o vestibular e as leituras obrigatórias

Ser aprovado em uma universidade é um degrau mais do que fundamental na formação acadêmica de cada cidadão brasileiro. O Ensino Superior configura-se como a etapa da estrada educacional em que o indivíduo começa, verdadeiramente, a se aprofundar nos conhecimentos relativos à profissão que pretende exercer pelo resto da vida. Um diploma oriundo de uma boa universidade pode abrir um sem-número de portas no nosso concorridíssimo mercado de trabalho, tanto no que diz respeito à participação em concursos públicos quanto no que tange ao processo seletivo de empresas particulares. De uma forma ou de outra, antes de mergulhar na aquarela de benefícios que uma formação universitária pode trazer, há um obstáculo que todos temos a necessidade de ultrapassar: o vestibular.

Muitos afirmam que o famigerado é o processo seletivo mais importante de nossas vidas. De fato, eu conheço um grande número de instituições que transformam o seu Ensino Médio em uma espécie de preparação incansável para a prova. A premissa é simples: matricule seu filho aqui e nós garantimos a aprovação dele nos principais vestibulares do estado. Toda a importância destinada ao exame de admissão inevitavelmente erige uma densa neblina de preocupação, na qual os vestibulandos ficam envoltos durante meses seguidos; grosso modo, é passar e colher os louros da vitória ou ser reprovado e decepcionar todos aqueles que acreditaram em você (incluindo você mesmo) durante tanto tempo. A barra é pesadíssima.

É evidente que, se a sua aprovação depende exclusivamente do seu desempenho em uma prova que vai avaliar os conhecimentos angariados ao longo dos seus anos de estudo, é preciso saber como aproveitar os pontos oferecidos por cada disciplina. Um exemplo clássico: por mais que muitos de nós considerem a Física três bilhões de vezes mais difícil do que a Literatura, as duas matérias quase sempre têm igual ou parecida importância nos exames de admissão. Se é custoso ter um domínio impecável sobre as Leis de Newton e as minúcias do magnetismo, entretanto, é provavelmente mais possível maximizar seu conhecimento sobre as características de cada período literário e os pormenores da obra de cada autor. Só que eis que surge um empecilho: as leituras obrigatórias.

Isso é incomum aqui no Rio de Janeiro, mas várias universidades têm o costume de enumerar algumas obras que os vestibulandos devem ler de forma a ter um bom desempenho nas questões de Literatura. Na edição de 2012 do seu vestibular, por exemplo, a Fuvest listou nove publicações que marcaram as veredas do nosso passado literário, desde o período do Classicismo até as inovações do nosso Pós-Modernismo. Como sempre acontece, essa atitude despertou a ira e a ojeriza de alguns vestibulandos, que não conseguem encarar com bons olhos a obrigação que têm de ler esses romances "maçantes", "chatos" e "cansativos". A pergunta que não quer calar é: quem é que está errado nessa história? As reclamações dos alunos são infundadas ou é realmente desnecessário que essa exigência seja feita pelas bancas?



Meus caros, pensemos bem: em primeiro lugar, é essencial que os vestibulares possuam maneiras de classificar seus candidatos por níveis. A prova de Língua Portuguesa pode servir, em alguns casos, como critério de desempate - e pode ser aí que o João que leu as obras recomendadas se sobressai. Se as universidades públicas possuem uma quantidade de vagas baixa quando comparada ao número de estudantes interessados, é natural e inteligente que elas se preocupem em selecionar os melhores. É fácil perceber que, por mais que algumas questões possam ser bastante óbvias e previsíveis, há também a inserção de perguntas capciosas e aprofundadas - nas quais os mais bem preparados, inevitavelmente, destacar-se-ão. Isso acontece na Física, na Química, na Biologia, na Geografia, na História... Qual é a grande novidade em tornar a prova de Literatura (um pouco) mais difícil?

Uma análise criteriosa da lista da Fuvest pode nos levar a perceber, conforme já foi dito aqui, que há obras de vários períodos da nossa literatura. Enquanto Dom Casmurro carrega traços do nosso Realismo, Iracema é o representante perfeito da prosa indianista do Romantismo, e Vidas secas comprova a preocupação da Segunda Geração do nosso Modernismo com as questões sociais. Unidas, todas as obras montam um painel incrível da nossa história e da nossa visão do mundo ao passar do tempo, permitindo que percebamos como mudamos, pouco a pouco. E é esse um dos objetivos da Literatura: retratar o que o homem vê, revelar um contexto social oculto nas entrelinhas de cada parágrafo. O candidato que se dispuser a desbravar as obras exigidas terá, sem dúvida, um vasto leque de conhecimentos não só literários, mas também históricos, sociais e artísticos. Não há desvantagens em ler o que é sugerido.

E se há resistência por parte dos vestibulandos, esse é um sinal de que há uma grande parcela de negligência destinada às obras clássicas. Ninguém estuda todos os períodos literários no ano do vestibular: o Classicismo geralmente é estudado no primeiro e o Romantismo, no segundo, por exemplo. Logo, por que não estabelecer, desde o começo do Ensino Médio, uma rotina saudável de leitura? Conforme as escolas da Literatura forem sendo estudadas, mais do que apenas absorver conceitos padronizados (Romantismo: idealização; olhar passional; interação com a natureza), basta que os alunos tenham contato com as principais obras de cada época. Quando a lista de leituras obrigatórias for finalmente divulgada, o vestibulando provavelmente se surpreenderá ao perceber que já conhece a maioria das obras ali enumeradas.

Por fim, se as obras clássicas não geram interesse, isso é conteúdo para mais uma longa crônica. A insatisfação perante a lista de leituras obrigatórias é bastante justificável, mas apenas enquanto fruto de um ambiente marcado por pressão excessiva e mau planejamento. Se as complexidades da Biologia são desbravadas desde a primeira semana do Ensino Médio, então que a Literatura receba a mesma atenção; no final das contas, o vestibular pode cobrar qualquer detalhe sobre qualquer parte do corpo de qualquer ser vivo, e nem por isso há correntes de protesto circulando pela internet. Basta que façamos um paralelo para que percebamos que, ainda que, nas provas, valha tanto quanto uma ciência exata, a Literatura não está sendo corretamente trabalhada ou estudada. E só quem tem a perder com isso são os próprios alunos. Bem ou mal, a impressão que se tira de O cortiço não é uma coisa que sai da sua cabeça três minutos depois da primeira fase do vestibular. Isso eu garanto.


Palavras sobre palavras é uma coluna semanal de crônicas sobre a literatura, feita por mim (Robledo) aos sábados. Você pode enviar dicas de temas para crônicas pela nossa caixa de sugestões, disponível na página de contato.

6 comentários:

  1. Sem dúvida essa época de vestibular é uma das mais tensas. Você está no terceiro ano e tudo o que você pensa é: “A escola esta acabando, preciso entrar em uma Universidade” é muita pressão! Mesmo que você tenha uma família compreensiva que te apóie e não fique te atormentando, o fato de você ver todo mundo da sua idade, que estuda com você, focado no vestibular, te deixa super tenso também!
    Eu acho importante cobrar a leitura de alguns livros, mas daí NOVE! Por favor, exagero total. Ainda mais que os livros cobrados, não são livros de “fácil digestão” não são livros que podem ser lidos de forma rápida numa tarde, então, acho que é pegar pesado.
    Sem dúvida não há desvantagem em ler o que se pede, quem realmente ler estes livros, só tem a ganhar.
    Ressaltando o que você disse no penúltimo parágrafo, eu estudei na mesma escola — que por sinal, é pública — desde a 5ª série até o 3º ano, e eu nunca tive aula de literatura separadamente. As aulas eram acopladas nas aulas de português, mas era trabalhado muito mais a questão gramatical, a Literatura era sempre deixada de lado. E eu te pergunto, tem fundamento, que o governo não determine que as aulas de Literatura sejam obrigatórias e quando o aluno vai prestar vestibular ele exija que o aluno leia certo número de livros? Controverso, não é mesmo?
    Bom, esse era o caso da minha escola. Mas acredito eu, que nós não éramos um caso isolado. Certamente isso dever ocorrer em outras escolas espalhadas por aí.
    Por isso eu penso que, pode haver sim — e de fato há — negligência por parte dos vestibulandos, mas podemos entender o lado deles. Afinal, se eles não foram “educados” na Literatura dentro da escola, é normal ao espanto ao se depararem com uma lista de livros para serem lidos... Enfim, meu ponto de vista.
    “Se as complexidades da Biologia são desbravadas desde a primeira semana do Ensino Médio, então que a Literatura receba a mesma atenção;” CONCORDO TOTALMENTE!
    Mas enfim, é um caso a se discutir. E sem dúvida isso daria boas discussões. É um assunto de certa forma, polêmico, pois envolve muita coisa.
    Mais uma vez, parabéns pela crônica!

    Beijos,
    Amanda
    ^_^

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  2. Oii Robledo :)
    Vestibular, ah eu já passei por isso rs. Mas como fiz ENEM esse ano de novo, ainda me sinto totalmente dentro disso xD rs.
    Sabe, eu, particularmente, não acho legal ter leituras obrigatórias para o vestibular... Ok ok, temos que ter essa cultura das obras clássicas brasileiras, mas as obras são sim, CHATAS. Não conheço pessoas que tenham realmente gostado de alguma, ok, talvez uma ou outra, mas muitas que leram me dizem sempre que se decepcionaram, o que me deixa totalmente com pé atrás pra pegar qualquer uma delas e ler. Nunca li nenhuma das que estão nessa lista da FUVEST por exemplo. Na verdade, acho que nunca li nenhum CLÁSSICO brasileiro parando pra pensar agora... E por incrível que pareça, não me arrependo, já que não faz parte de um universo que eu goste.
    Falando de livros (Sem usar a palavra literatura, porq, depois do outros texto, não sei mais o que chamar de literatura, rs.) eu leio por que gosto de sair do mundo que vivo, e a literatura clássica sempre me trás tragédias e coisa e tal... Nordeste brasileiro, ainda mais na época que foi escrito, era algo triste demais, muita dor e isso me deixaria meio sem chão, sei lá. Agora... Se fosse minha única chance de entrar pra uma faculdade, se só assim eu fosse ter um futuro, digamos, bom, aí eu me forçaria a ler, assim, obrigada meeeesmo. Por que acho um absurdo, sinceramente :/
    Eu acabei de ler um outro texto sobre isso, num outro blog, caso queira dar uma olhada depois:
    http://nossaestante-br.blogspot.com/2011/11/formando-leitores-formando-mentes.html

    Beeijos, Nanda
    www.julguepelacapa.blogspot.com

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  3. Excelente texto, amigo o/

    Acredito que as universidades ainda exigem muito pouco na questão de Literatura. Não entendo como uma pessoa possa não gostar de ler, mas isso está no direito de cada um. Agora, se toda universidade elencasse, no mínimo, 12 livros, entre clássicos e títulos atuais para leitura prévia - o que estimularia os estudantes a lerem ao menos um livro por mês (o que é bem baixo, mas seria mais do que as exigências atuais, falando pela nossa UF), isto estimularia a leitura sobremodo.

    Estimular a leitura e a interpretação é tão importante que, quando chegar o momento daquelas famosas "pegadinhas" de vestibular, o leitor crítico terá enorme vantagem sobre aqueles que leem esperando pelo óbvio.

    Vamos esperar o que o futuro reserva de bom. Tenho boas expectativas ^^

    Beijo, Robledo! Beijo, Caíque!!

    This
    www.canto-e-conto.blogspot.com

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  4. Não entendo como alguém não consegue gostar de ler, mas entendo como alguém consegue não gostar de certas obras clássicas. Aprendemos desde sempre que livros é um castigo, ora essa! Principalmente na escola. Lemos os livros para decorar as características e depois fazer uma prova. É natural chegar para fazer um vestibular e ficar revoltado. Mas é como se não fossem ''ensinados'' a ler. Não dá mesmo para ir na marra, no fim do terceiro ano! Adoreeeeeei o post, gente, vocês estão de parabéns,uh *-* Beijão!

    Rachel Lima | Corujando

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  5. Pois é, por mais que eu não goste de literatura brasileira vejo que é importantíssimo ler estes livros.

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  6. Acho engraçado como você sempre diz "meus caros".

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