domingo, 4 de setembro de 2011

[Resenha] Vladimir Nabokov - Lolita

Essa aqui é a resenha de uma obra-prima da literatura russa. Se você faz parte do grupo de pessoas que acredita que todos os livros mais antigos ou clássicos são incuravelmente chatos e maçantes, e se você está disposto a manter a sua opinião, por favor pare de ler a resenha nesse mesmo parágrafo. Caso contrário, caso você integre aquele admirável grupo de leitores que vê os clássicos (ainda que da contemporaneidade; Lolita é de 1955) como mergulhos indescritíveis por mares inexplorados, como fontes de um conhecimento que rarissimamente pode ser encontrado na literatura young-adult, então você é extremamente bem-vindo aqui. Também serão meus convidados de honra todos aqueles que, por mais que não tenham contato com textos literários, tenham vontade de estabelecer uma relação de proximidade com esse valiosíssimo tipo de literatura.

À ocasião de sua publicação, Lolita enfrentou todos os empecilhos imagináveis. O próprio Nabokov pensou em publicar anonimamente a sua obra, tendo em vista a reação que o público leitor poderia ter à exposição da trama desenvolvida pelo autor. Afinal de contas, por mais que estejamos acostumados a ler suspenses policiais e a encontrar minuciosas descrições dos assassinatos realizados por um serial killer qualquer, ainda não nos é fácil ler mais de trezentas páginas, em estilo rebuscado e purissimamente poético, sobre o amor de um pedófilo por uma garota de doze anos. Isso pode nos causar nojo. Incitar em nós sentimentos de desprezo, repugnância, ódio. Como toda boa literatura costuma fazer, é provável que essa narração vá nos perturbar.
O leitor precisa entender que, como senhor e servo de uma ninfeta, o viajante encantado se encontra, por assim dizer, além da felicidade. Pois que não há na terra prazer que se compare ao de acarinhar uma ninfeta. É hors-concour esse prazer, pertence a outra classe, a outra esfera de sensibilidade. 
E é exatamente esse caráter mortífero que garante a Lolita a qualidade única dos clássicos. Nabokov deu voz a um Humbert Humbert solitário: um homem que, desde a sua infantil paixão pela doce e libidinosa Annabel, tem uma singular predileção por jovens ninfetas - atrai-o o pequeno e fatal demônio em meio às crianças normais, com as palavras do próprio narrador. Os primeiros capítulos do livro são destinados a uma rápida passagem pelas primeiras aventuras amorosas do narrador, por tudo que aconteceu no seu universo pré-Lolita. Humbert se casa com Valéria na França, mas a sua primeira esposa o trai (de uma forma ímpar) e ele, com ímpetos de respirar novos ares, muda-se para os Estados Unidos da América.

Na nova terra, Humbert consegue alugar um quarto na casa de Charlotte Haze - a mãe daquela cujos atrativos, defeitos, impulsos e pormenores hão de nos ser expostos ao longo de todo o brilhante livro: Dolores Haze. Lolita. A ninfeta que, ainda que guarde alguns traços da antiga Annabel, é infinita em suas particularidades, em sua paixão pelas travessuras, no caráter sorrateiro com que percorre os cômodos da casa, na maneira como discute com sua mãe e em vários outros aspectos.
Por que é que sua maneira de andar - uma criança, vejam bem, uma mera criança! - me excita de maneira tão abominável? Tratemos de analisar a questão. Os pés imperceptivelmente voltados para dentro. Uma espécie de bamboleio abaixo do joelho, que a cada passo se estende até os tornozelos. Um levíssimo arrastar dos pés. Muito infantil, e ao mesmo tempo infinitamente lascivo.
A história, em si, possui importância muito menor do que a forma como os capítulos se desenrolam. Assim, por mais que seja interessante observar como Humbert e Lolita viajam pelos Estados Unidos, após a morte de Charlotte, é muito mais fascinante perceber que, em nenhum segundo, o autor lança mão de termos vulgares. A extensa publicação descreve um amor sublime e elevado, poético e lírico, o que torna a sua essência ainda mais paradoxal: por mais que você possa sentir repugnância pela privação que Lolita tem de sua infância, sob o controle do desejo de Humbert, você vai acreditar piamente nessa paixão e aplaudir os nobilíssimos sentimentos que ele mantém em relação à sua Lô - sentimentos esses que, algumas vezes, fazem com que ele chore em seus braços depois de violá-la, em sucessivos murmúrios de perdão, perdão, perdão...

Não é uma leitura fácil ou rápida, muito menos leve - justamente porque seria inverossímil fazer desse caso de amor ardente algo leve. O brilhantismo na obra reside na sua capacidade de fazer com que você a odeie, com que sinta falta de ar durante a sua leitura, com que precise largar o livro e descansar um pouco antes de ler mais um capítulo. E não me entenda mal: essa reação não é oriunda apenas do tema polêmico no qual a história se baseia; de fato, Lolita é completo em todos os sentidos, da construção dos personagens ao refinamento irônico da linguagem de Humbert - o narrador que se apropria daquele tom sincero típico de quem não tem mais nada a perder.
Ali estava uma órfã. Ali estava uma criança solitária, totalmente desamparada, que copulara vigorosamente com um adulto maduro e malcheiroso três vezes naquela manhã. Tivesse ou não a realização do sonho de toda uma vida superado minhas expectativas, o fato é que passara dos limites - e se transformara num pesadelo. Eu havia sido descuidado, estúpido, ignóbil. E permitam-me que seja bastante franco: lá no fundo daquele horrível turbilhão, o desejo de novo se agitava, tão monstruoso era meu apetite por aquela infeliz ninfeta.
Por fim, o público-alvo é a parte mais fácil. Se você gosta de uma boa e velha zona de conforto, e não está disposto a se sentir nem um pouquinho desconfortável, vá para o sofá e jogue o seu exemplar de Lolita o mais longe possível. Se você gosta de se desafiar e de ficar cara a cara com o que tem poder de persuasão perturbadora, e de sentir sentimentos paradoxais em relação a um livro, em uma espécie de catarse incerta, então dê uma chance a esse filho da literatura russa. Vá no seu ritmo, mas vá até o final. Valerá a pena.

Título: Lolita.
Autor: Vladimir Nabokov.
Editora: Companhia das Letras.
Número de páginas: 320.
Avaliação: 5 de 5.

13 comentários:

  1. Mais uma excelente resenha, Robledo!
    Li Lolita há uns 2 meses e devo concordar com você no quesito da poética da obra, além de como o amor de Humbert por Lô é mostrado de maneira sublime, embora repugnante se visto como a relação entre um pedófilo e uma garota de 12 anos.
    Lolita foi uma leitura difícil para mim, como você também disse. Em alguns momentos sentia não conseguir prosseguir na leitura ou ficava com a sensação de ter lido milhares de páginas enquanto havia lido apenas 5.
    De qualquer forma, não me arrependo nem um pouco de tê-lo lido. Algumas características da obra só podem ser percebidas após a última linha ter sido lida e uma reflexão da história ter sido feita.
    Nabokov foi corajoso em escrever a história e por tê-la publicado, principalmente na época em que a publicou. Mais do que isso, foi um mestre por tê-la escrito tão bela e poéticamente como escreveu e como consegue nos convencer de que Lolita contribuiu no momento da sedução, fazendo-nos esquecer em alguns momentos de se tratar de uma criança, apenas.
    Adorei o post!
    Beijos!

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  2. *palmas eternas para Robledo Filho*
    Eu adorei a resenha, ficou sensacional. Principalmente o começo, do tipo: por favor, caso não aceite esse tipi de leitura, saia daqui e caso queira viajar por novos mares, seja bem-vindo, esse livro é para você :D
    Eu preciso dizer que adoro livros que me causam estranheza e tudo mais. No entanto, fujo um pouco de livros envolvendo pedofilia/coisas do tipo, pq morro de medo. Afinal, é uma coisa que pode acontecer de verdade né... diferente de zumbis, aliens e tudo mais.
    Mas, ao mesmo tempo eu fico mega curiosa, pq geralmente, quem escreve esse tipo de livro faz de tudo para que fique bom e trabalha demais os sentimentos, coisa que gosto muito. Enfim, se tenho curiosidade de ler Lolita? MIL VEZES SIM. Medo? Um pouco. Mas, sei lá, acho que a curiosidade deve estar maior... sei lá '-'

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  3. Oi, Robledo :) Não acredito!! Eu quero ler "Lolita" há anos!! Sei que tem na biblioteca e não peguei ainda, pq fico passando outras leituras na frente.

    Eu sou capaz de entender o que vc sentiu com a leitura, pq recentemente eu li uma obra tão intensa e psicológica que mexeu com minhas emoções. Às vezes eu queria o livro o mais longe possível... às vezes eu queria continuar a leitura... Ainda nem publiquei no blog. Estou adiando pq, como é freqüente, passei mais um livro na frente.

    Eu sou apaixonada por literatura clássica. Acho incrível e vai além do tempo. O conteúdo simplesmente não envelhece. xD

    Mas "Lolita" com certeza está na minha lista. E quero muuuuuito ler até o ano que vem.
    Mais um incentivo! o/

    Bjs ;)

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  4. Oiii Robledo!
    Sua resenha até que me deu um pouquinho (mas beeem pouquinho) de de de ler Lolita, eu não consigo me interessar por ele, de jeito nenhum, mesmo ><

    Mas um dia, quem saber? Talvez.. sei lá... kkkk eu realmenbte nÃo tenho vontade de ler :(

    Beijos, nanda
    www.julguepelacapa.blogspot.com

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  5. Resenha perfeita Rô...amei..
    Vc conseguiu descrever todos os sentimentos que só uma obra estritamente literária consegue proporcionar.
    Hoje em dia o conceito de lietartura ampliou-se muito e abarca tantas visões que até chegamos a nos perguntar: "O que é leiteratura?" Mas a verdadeira literatura é isso, uma construção impecável, questões polêmicas, problematização, inquietação e sentimentos estranhos que só a literatura real, pura e verdadeira pode causar no leitor. E claro, que a maioria prefere optar por não encarar os clássicos, muitas vezes por não entender a linguagem rebuscada, pela leitura demandar um tempo maior de reflexão em alguns trechos, enfim, mas quem disse que o que é bom e duradouro é fácil, errou completamente.
    Eu adoro os clássicos, mas devo confessar que o mundo dos yabooks e bestsellers conquistaram-me de maneira concisa, longe de mim querer desmerecer este tipo de leitura, pois é através delas que nos deleitamos e temos infindáveis momentos de entretenimento e lazer, mas não posso deixar de pontuar o conceito de literatura, que na minha visão, é bem mais restrito que para muitos e claro que quando li Lolita, pude sentir tudo isso que vc citou e até uma pouco mais.
    Morri de raiva do Humbert e tive de fechar o livro muitas vezes por não aguentar o texto forte. O texto não é em nenhum momento apelativo, o que só vem abrilhantar ainda mais a obra, mas que tem o poder de nos deixar com ânsia e nos causar inquietude, ah! isso ele tem sim! Um beijão.

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  6. Olá, Robledo!

    Com uma resenha fantástica dessa, não pude deixar de apreciar e imaginar a minha leitura em um clássico deste, sendo instigada e desafiada com uma história acerca da pedofilia.
    Como a Mayara disse acima, também gostei do início da resenha, sem clichês, o que já demonstrou a diferença de impacto deste livro em comparação com os que estamos acostumados a ver.
    Sem dúvidas uma narrativa forte. Tive a oportunidade de ler a resenha da Ana, do Na Parede do Quarto, sobre Lolita. Quando li, me chamou muito a atenção do livro, principalmente por envolver uma criança que de certa forma também é dotada de malícia.
    Agora sim não me faltam motivos para não ter curiosidade e querer ler uma obra profunda, com detalhes psicológicos e que, possivelmente, tem um fim inesperado.

    Beijos e ótima semana! ;)

    Isa
    universoliterario.blogspot.com

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  7. Sou uma grande admiradora e leitora assídua dos clássicos e tenho muita vontade de ler esse livro, porém admito, entre os da literatura universal dos quais ainda não li, esse não figura entre os primeiros.

    Tenho mais interesse por Scott Fitzgerald, Hemingway, Isabel Allende, Gabriel Garcia Marquez, etc! Acho que o fato do livro despertar esse tipo de pertubação no leitor e sentimentos tão conflitantes apesar de um ponto muito positivo (pois os bons mesmo invariavelmente incitam esse tipo de emoção), acaba por refrear um pouco o meu desejo e não sei se estou pronta para enfrentar esse tipo de tema tão sórdido e perturbador.

    Não duvido da geniosidade e excelência da obra, e sei que inevitavelmente irei lê-lo algum dia, só não é daqueles que marquei uma data ainda. Anna Karenina também de outro escritor russo, Tolstói, com certeza virá na frente. E a esse estou bem mais aberta, e preparada ^^
    Acho que eu sou muito mole de vez em quando rs

    Ótima resenha (como sempre)!
    Beijos

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  8. Ótima resenha... Essa leitura parece bastante forte e perturbadora e, mesmo não gostando muito desse tipo de história, sua resenha despertou meu interesse. O poder de persuasão do autor realmente deve ser impressionante.
    Beeeijos

    Marina Oliveira
    http://distribuindosonhos.blogspot.com

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  9. Oi Robledo!
    Sumi por um tempo, mas aos poucos eu estou voltando a comentar nos blogs. xD
    Comecei a ler Lolita há um tempo atrás, mas não consegui terminar. Não sou muito fã de livros que prolongam muito a história.
    Quando peguei o livro pela primeira vez confesso que fiquei super curiosa para saber tudo o que acontece com ele e ainda estou curiosa para saber o final, mas realmente não aguentei e parei na metade. Quem sabe um dia eu volte a lê-lo?
    Sua resenha ficou ótima, como sempre. xD

    Bjs
    Gabi Lima
    http://livrofilmeecia.blogspot.com

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  10. Robledo, de verdade, como você consegue? As suas resenhas são incríveis!!!!


    Sobre o livro, bem, tentei lê-lo uma vez mas fiquei com nojinho. Talvez eu tente novamente no futuro, acho que ele vale a pena ser lido, eu é que não tinha maturidade na época.


    Abração e não some não! Saudade de vc!

    www.felizvros.com

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  11. Tenho o livro numa edição antiga, que peguei numa troca que houve aqui na minha cidade. A sobrecapa está toda detonada. Mas as páginas tão brancas que posso apostar que nunca ninguém as leu.
    Sua resenha despertou em mim uma vontade louca de tirá-lo da estante e começar a ler. Vou só matar O Alienista nesse final de semana, terminar Uma Proposta Irrecusável até segunda e já começarei a lê-lo.
    Deve ser uma obra extraordinária. E só o fato de causar tantos sentimentos ao leitor, já é maravilhosa.


    Beijinhos, :*
    www.primeiro-livro.com

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  12. "literatura russa", imaginei, mas acho que tem um bailarino russo com o nome parecido também...
    "Lolita é de 1955" Caramba O.o
    "sobre o amor de um pedófilo por uma garota de doze anos" ahh esses dias você estava pedindo indicações de livros assim não?
    "em nenhum segundo, o autor lança mão de termos vulgares" Que bom^^ Isso torna a leitura muitas vezes super repugnante ^^
    "O brilhantismo na obra reside na sua capacidade de fazer com que você a odeie, com que sinta falta de ar durante a sua leitura, com que precise largar o livro e descansar um pouco antes de ler mais um capítulo" Era exatamente isso que eu sentia ao ler os livros da V. C. Andrews, temas diferentes mas que nos trazem as mesmas sensações e reflexões. Com certeza não é uma leitura leve, mas sim com que faz o leitor muitas vezes ficar chocado. Aliás fiquei um pouquinho, lendo sua resenha. Bom, o leitor está avisado só leia se puder suportar o choque rsrsrs
    Parabéns Robledo! Cada resenha é melhor do que a anterior. Sucesso

    Beijos
    BabihGois
    http://babihgois.blogspot.com

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  13. Robledo,
    Eu disse que aparecia aqui para lhe parabenizar e acabei demorando um pouquinho, mas vim, de qualquer forma.
    Mais uma vez, sua resenha foi genial. Ainda que tenha dado a nota máxima ao livro, soube discuti-lo e argumentar perfeitamente bem, apresentando ao seu leitor todos os pontos de vista e interpretações possíveis que "Lolita" nos permite. Acima de tudo, o que eu julgaria como sendo mais importante, soube distinguir o lado pedófilo, monstruoso de H.H. do homem apaixonado, vítima de seus desejos lascivos e de sua perversidade amorosa.
    Após uma obra de tal cunho, impossível não nos tornarmos grandes admiradores da Literatura Russa e, inevitavelmente, querermos repassar essa paixão aos leitores.
    Os seus estão bem avisados, indubitavelmente.

    Beijos,
    Ana - Na Parede do Quarto

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