sexta-feira, 26 de agosto de 2011

[Resenha] Breno Melo - Marta

Ao iniciar seu primeiro romance publicado, Breno Melo nos alerta que Marta é uma obra que permite múltiplas leituras. Antes de nos apresentar devidamente aos pormenores que caracterizam o contorno da sua personagem-título, o autor expõe diferentes ópticas sob as quais o seu romance pode ser analisado: a popular, a médica, a filosófica e a pessoal. Em todas, a característica bipolar de Marta - à qual voltaremos mais tarde, nesta mesma resenha - recebe ênfase, e o autor nota, com perspicácia, que a bipolaridade é o "assunto da moda". Essa referência levemente irônica imediatamente me fez lembrar dos inúmeros perfis de redes sociais que contêm, na parte "Descreva-se" (ou algo similar), a palavra "bipolar". Pensem bem: essa palavra está sendo corretamente usada? Todas essas adolescentes que amam o Twitter são realmente bipolares? Mas esse último tópico rende um artigo inteiro; prendamo-nos à resenha.

A história de Marta é uma caminhada de amor. Em termos de sinopse, o livro é bastante sucinto: em pouco mais de duzentas páginas, a proposta é percorrer as aventuras amorosas da personagem principal, eternamente apaixonada por João - que, por sua vez, namora uma famigerada Débora. Praticamente todo o livro gira em torno desse triângulo amoroso e da relação entre Marta e suas duas grandes amigas, Sílvia e Naila. E é daí que eu tiro a minha primeira crítica: senti falta, em Marta, de ramificações, de sub-histórias e pequenos contos, de capítulos dedicados à infância dos personagens... Há quem diga que manter o enredo focado em um único ponto garante mais precisão e consistência à trama, mas eu não pude deixar de fazer uma busca por esses universos menores, essas pequenas crônicas que quase nunca nos transformam, mas que sempre nos dão um bom impulso em direção ao interior translúcido das personagens.
Senti-me elogiada, e ele me pareceu simpático, mas no bar não me senti elogiada por quem suspiro de verdade, o que teria feito toda a diferença. E já imagino que até uma patada de João seria um elogio para mim...
Será que ando tão apaixonada, e tão burra assim?
Bem, não são exatamente patadas o que desejo de meu amado, mas beijos ardentes, como os que ele me dava antigamente...
Aliás, o livro não é em primeira pessoa. Quem conta a história de Marta, segundo a quarta capa, é um velho psiquiatra, disposto a produzir Literatura leiga. O trecho acima é do diário da personagem. Entretanto, surpreende-me mais uma vez a inclinação que nossos autores nacionais parecem ter em relação ao uso de recursos líricos e poéticos, às proliferações de figuras de linguagem. É verdade que, em alguns livros, o excesso de lirismo conspurca o brilhantismo da obra; em Marta, entretanto, eu afirmo, sem reticências, que o autor soube muito bem explorar os contornos da poesia. Para descrever os sentimentos de Marta, Breno Melo lança mão de trechos de poetas famosos e não-tão-famosos, personifica dezenas de figuras abstratas (é comum encontrar palavras como Dúvida, Tempo e Consciência dessa forma, com a inicial maiúscula), cita filósofos e figuras da mitologia, além de assumir um tom claramente machadiano em sua narração. E o mais surpreendente: não soa prolixo.
E, se realmente existe o Inevitável em nossas vidas, quanto mais perto chegamos de uma vitória impossível, mais glorioso é o combate, mesmo que não ganhemos a luta no último instante, no último round de uma contenda ou de nossas vidas...
É como o enderedo de uma obra do dramaturgo grego Ésquilo et requili, ou como a vida trágica dos santos.
Surpreendi-me com mais uma coisa: a bipolaridade. Sinceramente, eu não sei como dizer isso, porque fiz algumas pesquisas antes de escrever esta resenha, e essa confissão faz com que eu me sinta um mau leitor... De qualquer forma, sem mais rodeios: não vejo a bipolaridade de Marta. Não a enxergo. Em vez de uma garota que tem alterações de humor relacionadas a minúcias psicológicas, conheci uma protagonista que ama,  e que, como todo ser amador, tem sua atitude governada por um capricho dos deuses. Parece-me, então, que a conclusão mais verossímil é que eu encarava a bipolaridade como algo extremado, forte, caricatural. Se li todas as páginas de Marta sem perceber traços de um comportamento bipolar, então deve se tratar de algo extremamente sutil, passível de ser confundido com as reviravoltas do turbilhão de emoções que é o ser humano. Entretanto, peço que não acreditem cegamente no que digo nesse parágrafo; a minha leitura é a popular, e não a psicológica. Eu leio e formulo hipóteses.

Simplificando a história, eu hoje catalogo Marta como um livro levíssimo, que pode ser lido em horas; caracterizo-o como um passeio rápido pelos mares bravios do amor, sem muitos mergulhos aqui e acolá. Se a trama não é exatamente a mais original do mundo (até porque, convenhamos, é difícil escrever sobre algo nunca antes abordado), Marta compensa pelo estilo utilizado, pelo refinamento da linguagem e pela sensação de proximidade (talvez eu possa dizer intimidade) que passamos a sentir em relação à protagonista. Afinal de contas, quem nunca se identificou com uma história de amor?
E a cada segundo ao lado de João eu vivia dez mil anos de alegria, cem milhões de contentamentos, sem que isso entretanto fosse o bastante, porque eu queria sempre mais, desejando alargar os segundos em minutos, as horas em dias, os meses em séculos...

TítuloMarta.
Autor: Breno Melo.
Editora: Schola.
Número de páginas: 216.
Avaliação: 3,5 de 5.

12 comentários:

  1. Olá!
    Mais uma ótima resenha!
    Me surpreendi quando você disse que o livro contem uma leitura leve. Pela maneira como você descreveu a narrativa do autor, que, aliás, me pareceu belíssima, e por parte da temática abordada, achei que o livro fosse mais profundo ou reflexivo.
    Como você, concordo que algumas viagens à história do personagem ajudam a compreender sua complexidade, talvez eu sentisse falta disso na obra, também.
    Achei a história bem interessante, mesmo que não tanto original e, como você disse, quem nunca se identificou com uma história de amor, não é?
    Beijos!

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  2. Robledo,
    Também não me conformo com a quantidade de mocinhas no Twitter que dizem serem bipolares em suas "bio". Tenho uma visão bem leiga quanto ao problema, todavia, a certeza de que momentos intercalados de tristeza e alegria são tão comuns quanto quaisquer outros em nossas vidas de altos e baixos.
    "Marta", após a sua resenha, pareceu-me um livro interessante, lírico, com esse ar abstrato de poesia brasileira em meio à prosa. Como aprecio muito a estética das obras, sinto que este seja um ponto forte e favorável ao autor.
    Assim como a Aione, imaginei que houvesse mais profundidade no psicológico da personagem; assim como você, um retorno à infância, aos momentos da vida de Marta que podem nos auxiliar a compreendê-la mais efetivamente.
    Ao fim, enfim, aprecio histórias de grandes amores, daqueles que mexem com a cabeça das personagens e tocam o leitor, de alguma forma.
    Terei que tirar minhas próprias impressões do livro mas, em geral, após a sua avaliação, creio que seja uma leitura bastante válida.
    Excelente resenha!

    Quanto ao seu comentário na de "Garota, Traduzida", a simplicidade do livro e o passar muito rápido do tempo em nada diminuem a grandeza da obra, que vai deixar muitos leitores verdadeiramente inspirados. Fico contente em saber que ela irá para sua wishlist! haha

    Beijos,
    Ana - Na Parede do Quarto

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  3. Oi
    Ótima resenha!
    Não conhecia este livro, possui um tema bem diferente e interessante. É incrível o número de garotas que dizem ser Bipolares no Twitter, porém acredito que na realidade estas não tem ideia do que é a síndrome e confudem com mudança de humor comum.
    Beijos.

    Books E Desenhos

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  4. Oi, Robledo :) Acho que nunca li um livro que abordasse a bipolaridade (pelo menos não que eu lembre).
    De fato, essa palavra vem sendo muuuito mal empregada. Ultimamente tem sido bastante usada em tons de sarcasmo... gracejo... E, na realidade, é um assunto muito sério.
    Fiquei bastante interessada no livro. É mais um que vai pra minha enorme lista. Muito boa a dica! (E esse livro eu não conhecia até agora).

    Bjs ;)

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  5. Oi Ro, que resenha super heim! Eu não conhecia este livro e confesso que após esta resenha tão extremamente detalhada com certeza vou querer lê-lo.
    Concordo quanto a opinião de que é dificil escrever sobre algo que já não tenha sido abordado, portanto o que realmente conta numa obra é como o autor abordou o tema e não se ele é novo. Pelo que pude notar na sua resenha, o autor conseguiu inovar qnto a abordagem do tema e é isso que atrai o leitor de certa forma, as supresas que ele vai encontrar no decorrer da leitura.
    Beijinhos.

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  6. Marta é realmente um livro maravilhoso! Cada página, nos leva a mundo diferente e nos faz ler cada vez mais e mais...
    Envolvente. Essa é a melhor palavra para defini-lo.
    Adorei tua resenha! Parabéns!


    Beijinhos, :*
    www.primeiro-livro.com

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  7. Fiquei surpresa com o seu comentário de ser uma leitura leve.. o enredo me pareceu ser tão complexo.. mas pode ser que a forma que o autor usou pra desenvolver ele não tenha sido tão complexa assim. E super concordo com a parte de ser bipolar estar na moda. É incrível como todo mundo sofre desse distúrbio ultimamente hehe.
    Ótima resenha :*

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  8. Olá Robledo,

    Vou começar a ficar um pouco repetitiva ao dizer sempre como o seu texto é muito bem escrito, mas nunca consigo me segurar em relação a isso, você realmente escreve muito bem, com um texto extremamente bem fundamentado e uma opinião sincera a respeito do que leu.

    Pelas suas palavras acredito que Martha deve ser um livro bem interessante. Confesso que eu particularmente talvez não me interessasse tanto à primeira vista, mas estaria redondamente enganada. Parece ser uma história de amor arrebatadora, mais ainda, uma história de alguém que experimenta uma paixão arrebatadora, escrita de uma forma leve, lírica, um pouco poética, e muito bem conduzida pelo autor, que parece ter uma escrita de qualidade.

    Assim como você, acho que eu sentiria falta de algumas subtramas no livro, coisas que aparentemente desviam um pouco a nossa atenção mesmo quando não queremos pois as vezes estamos tão absorvidos pela trama central que relutamos um pouco em deixá-la de lado, mas que no fundo fazem toda a diferença, até no reflexo dos personagens em si. Acho esses outros cenários fundamentais, mas também dependendo da forma que o autor dirigiu a história, eles não influenciariam tanto na percepção da obra em geral.

    Também sou muito favorável à referências quando as encontro nos livros e gosto quando o autor utiliza de citações e exemplos distintos em sua narração.

    Ah e já ouvi falar a respeito dessa ressaca literária a qual você se referiu, mas felizmente até o momento ainda não a experimentei. Talvez porque as vezes quando me sinto um pouco "carregada" demais, já me dê um intervalo de dois ou três dias entre um e outro, mas não muito mais do que isso, ou já entro em crise de abstinência! ^^

    Desculpa pelo comentário enorme, eu sempre me empolgo um pouco nas minhas reflexões!
    Beijão!

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  9. Oie Robledo!
    Bom não conhecia o livro, mas agora que o conheço não sei se leria...

    Verdade, no twitter vejo a maioria das adolescentes dizendo que são bipolares ou antissocial. Realmente não sabem o que estão dizendo.

    bjs
    Nana - Obsession Valley

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  10. Ouvi falar sobre esse livro em alguns blogs e inclusive li resenhas e não sei se gostaria de lê-lo... ;x

    Gostei do blog! ;D

    Bjãoo;*
    Naty - Just Books !

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  11. Que adorável a capa do livro *_* gosto de imagens assim.
    "Pensem bem: essa palavra está sendo corretamente usada?" Com certeza não né? Mas como você mesmo disse, é assunto da moda. Você pode se vestir na moda mas pode não saber patavina do por que dessa moda.
    Robledo quando eu crescer quero escrever como você rsrsrs
    Realmente ouvimos muito falar sobre a bipolaridade mas sem realmente tomar um conhecimento verdadeiro do que exatamente e trata, a leitura de Marta parece-me muito promissora e eu gostei mesmo da resenha e da história!

    Beijinhus
    BabihGois
    http://babihgois.blogspot.com

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  12. Colé, Robs! Também recebi esse livro pra resenha, o autor foi um fofo! Não li sua resenha toda pra evitar spoiler, então só fui no finzinho. Mas gostei de vc ter o livro em alto conceito, fiquei até com vontade de furar a fila com ele, hahahaha...


    Saudade de vc, pô. Mas entendo q vc sumiu pq eu sumi, rs. Que tal se todo mundo parar de sumir agora?

    Beijo,
    Mari

    www.felizvros.com

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