sexta-feira, 1 de abril de 2011

[Entrevista] Flavia Cristina Simonelli

Ela foi a primeira parceira do Livros, Letras e Metas, e se destacou pela publicação do livro "Paixão e Liberdade", cuja resenha você pode ler aqui. Na entrevista, Flavia Cristina Simonelli falou sobre sua vida como escritora e sobre sua relação com as personagens e a trama de sua obra. Confira!

A autora

 1. No que a Flavia Cristina escritora difere da Flavia Cristina que havia antes da escrita surgir em sua vida?

A escrita exige autodisciplina e automotivação, porque não existem cobranças externas, apenas internas. E essas qualidades aprendi a desenvolver quando decidi para mim mesma que escrever também é o meu trabalho. Mas é engraçado porque na verdade a escrita não acontece só no momento em que me sento diante do computador ou de um caderno e falo, agora vou criar. Não é assim. Muitas vezes penso que tenho uma grande ideia para desenvolver na narrativa, e acho que vai ficar ótimo, mas os melhores insights, com certeza, são aqueles que surgem de repente, com acontecimentos inesperados, corriqueiros, aparentemente sem muita importância. Então, a Flavia Cristina escritora é aquela que se liga nos pequenos detalhes do dia a dia, que anota uma palavra que ouviu, ou uma cena que leva a alguma nova percepção. Viver se tornou uma grande surpresa, porque tudo é cheio de significado. Mesmo o que parece não ter.

2. Qual o maior obstáculo da vida de uma escritora? Quão importante é superá-lo?

É justamente o que disse na outra pergunta. Ter autodisciplina, estabelecer o tempo para escrever e não se deixar engolir pela correria. Escrever exige vontade de parar, aquietar a cabeça, entrar num outro mundo, que é ao mesmo tempo esse mundo, de uma outra maneira, mais imaginativa. É importante superar esse desafio, que é a tal da preguiça que toma conta dos escritores! No início é uma luta, porque você senta para fazer um trabalho que não está sendo remunerado e além disso as pessoas pensam que você não está fazendo nada.

3. Quais são os escritores que te inspiram e que lhe servem como referenciais?
    
Fernando Pessoa e Marcel Proust, embora admire imensamente tantos outros. É uma questão de identificar-se também com o conteúdo, além da forma.

4. Como é o seu processo criativo? Você já tem toda a história de um romance idealizada quando começa a escrevê-lo?

Um romance começa com um personagem que tem uma questão, um problema, como todo mundo. A partir daí os cenários vão se ampliando, outros personagens vão chegando. O tema também é algo que surge no início, é aquela pergunta que o autor faz: o que eu quero dizer com essa história? Essa história vai ter algum significado para quem a ler? A trama é traçada em linhas gerais, mas os detalhes vão se delineando. O que eu nem sempre sei no início é o desfecho que tudo vai ter. Muitas vezes é surpresa para mim também o que acontece, porque vem de repente, num insight, como se uma cortina se abrisse para algo novo. É isso que me entusiasma na escrita. Imagino que nas outras artes também seja assim, mas a literatura tem um tempo muito particular, pois é um tecer de pensamentos e palavras. Quero dizer, a arte literária tem como matéria-prima algo muito, muito sutil. Talvez, ainda mais sutil do que a literatura seja a música. A música que é arte, claro.

A obra

5. Por que "Paixão e Liberdade"? Você diria que cada termo se encaixa melhor em uma das duas personagens principais, ou seriam ambos os destinos marcados por conflitos e encontros entre esses dois sentimentos?

Tanto Isabel, quanto Camila, viveram suas paixões e buscaram de uma certa forma a liberdade. Isabel, de maneira mais consciente, pois pôde distanciar-se e reescrever o passado com uma compreensão ampliada da vida. Camila não teve a mesma chance e fica a dúvida se ela conseguiu superar suas angústias ou se, em desespero, sucumbiu ao medo.
Mas, o limiar entre a paixão e a liberdade é uma questão humana, e  que desperta quando se percebe que a verdadeira liberdade é interna. Isabel se deu conta de que todas as paixões projetavam suas ilusões e que encontrar a felicidade no outro era um caminho que a levava ao sofrimento. Assim, quando descobre seus talentos e começa a colocar no mundo um trabalho que vem da sua essência, sente-se plena e livre para se relacionar sem dependências.     

6. Durante a obra, você mostra que Isabel conheceu e desenvolveu uma paixão pela escrita. Poderíamos dizer que você, como autora, se vê refletida nessa personagem? Se sim, quais outras características vocês duas compartilham?

Percebo que nas primeiras criações literárias, os autores espelham muito de si. É um processo que, ao meu ver, parece próprio do trabalho artístico. É como se estivéssemos muito impregnados de nós mesmos e precisamos nos olhar por fora, para um dia, criar mais livremente. Os questionamentos de Isabel, sua angústia enquanto não se encontra com a arte da escrita, os medos, tudo isso eu conheço bem. Mas os fatos de sua história são diferentes da minha biografia, embora os temas sejam bem parecidos. Isabel quer compreender a vida por uma ótica ampliada, que dê sentido à existência e às relações. As crises são vistas como momentos de transformação que impulsionam para o futuro. E o futuro que ela deseja é desapegar-se de tudo que não lhe serve (e aí entram as paixões) para encontrar a sua essência livre e verdadeira que ela expressa na escrita.

7. Por que uma parteira? Por que não trabalhar com a renovação de Camila através de, por exemplo, uma professora de crianças com deficiência? Qual é o magnetismo ou a fascinação que a rotina de Anna exerce sobre você?

Camila sucumbiu ao poder, tornou-se densa e cega, e somente um fato muito forte pôde despertá-la para a realidade em que tinha se metido. Sentido-se responsável por esse fato, não suportou ficar. Distanciou-se na tentativa de se reencontrar. Onde estava a Camila de antes, cheia de  de leveza e de alegria?  Encontrou-se então com as forças da vida. O parto permite o nascimento. É a passagem para o novo, onde tudo pode começar ou recomeçar. Foi o contraponto para o peso que carregava.
Também, posso dizer qua a imagem do parto surge em nível mais sutil na história de Isabel, quando ela deixa nascer sua arte.
Anna é uma mulher madura que herdou conhecimentos antigos de seus antepassados, no caso das ervas medicinais, e conquistou sabedoria pela experiência. Conhece a alma humana, parece enxergar mais além.  A rotina de Anna difere da vida moderna, da correria, da falta de tempo e da vontade de ter tudo. Anna vive o tempo presente, o tempo da liberdade.

8. Logo no começo da obra, Isabel diz que sentia falta do entusiasmo juvenil de Camila, que parecia ter ido embora com o tempo. Que tipo de mensagem ou crítica você pretendia passar com essa transição, da jovem romântica à madura executiva? De que é preciso crescer com o passar dos anos ou de que é errado ceder à ação dos anos e deixar-se levar pela seriedade das coisas?

Camila não era romântica como Isabel, mas tinha alegria, descontração e se empenhava nos estudos. Essa leveza natural de Camila causava inveja em Isabel, sempre melancólica e introvertida. Na verdade, a transformação de Camila não foi pelo fato de assumir responsabilidades no trabalho e entrar na vida adulta, mas porque viveu uma paixão obsessiva por um homem que não tinha ética, nem humanidade. Com essa paixão, matou a espontaneidade, a alegria, e passou a servir ao poder. Um poder que impunha a sua vontade a qualquer preço.

O jogo rápido

9. Um autor nacional?  Machado de Assis 
10. Um autor estrangeiro? Marcel Proust 
11. Uma pessoa fundamental na sua carreira como escritora? Algumas pessoas muito queridas, amigos que acompanharam de perto e me incentivaram.  
12. Uma vantagem que só a escrita pode proporcionar? A busca da palavra certa para trazer à realidade o que vive na imaginação. Ou seja, criar um mundo de palavras, mas que se torna imagem viva.
13. Um objetivo ainda não atingido na carreira literária? Nossa! Tantos ainda...
14. Público-alvo das suas histórias? Em geral, adultos que buscam histórias mais reflexivas. Mas me surpreendi com o número de jovens entre 15 e 20 anos que têm lido Paixão e Liberdade e chegam a lugares que eu não imaginava. Surpreendente!
15. Ler ou escrever? Um não vive sem o outro...Escreve-se porque alguém vai ler; lê-se porque alguém escreveu. Mas ultimamente tenho mais escrito do que lido. São momentos.
16. Prosa ou poesia? Muitas poesias falam em poucas palavras o que muitos romances não conseguem em trezentas páginas. A poesia. Sim, sempre a poesia! Embora eu queira me tornar cada vez mais romancista.
17. Forma ou conteúdo? Forma revela um conteúdo. Conteúdo se faz visível na forma. Forma sem conteúdo é superficialidade. Conteúdo sem forma, alucinação. Forma e conteúdo, os dois, bem juntos, senão não dá para viver nesse mundo...


E foi essa a entrevista concedida pela Flavia, pessoal. Espero que todos se sintam mais próximos do cotidiano de uma escritora! Ah, e lembrem-se que a promoção de Feios continua rolando - inclusive, comentários em posts posteriores ao da promoção (como esse, por exemplo) garantem chances extras! Boa sorte e até já!

9 comentários:

  1. Fernando Pessoa. *-*
    Gostei muito, muito mesmo da entrevista. Dá para perceber como a Flavia escreve bem.

    =*
    Tarsila

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  2. Gostei qdo ela disse que vai construindo o livro à medida que visualiza uma cena interessante, qdo escuta uma frase, qdo tem uma idéia... =)
    E o jogo rápido tbm foi ótimo. As respostas foram muito bem colocadas.
    Agora falta ler o livro! \o/
    Bjs ;)

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  3. Olá, olá! :D
    Adorei a entrevista, ficou muito muito boa, espetacular :D
    As respostas dela no jogo rápido foram muito legais mesmo, a que mais gostei foi a da forma ou conteúdo :)
    A autora parece muito inteligente e simpática *-* Mas, temos gostos bem diferentes, hihi
    Enfim, parabéns!
    OBS: só não participo da promoção de feios pq já li, tem que dá oportunidade para outros né, UHASHUAHSUA :3

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  4. OOOOI :D
    Adorei a entrevista, já vi muita gente falando bem do livro dela , mas sinceramente, não tenho muita vontade de ler não ): rs

    Nanda, beijos.
    www.julguepelacapa.blogspot.com

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  5. Que ótima entrevista! Parabéns!
    Já ouvi falar do livro dela, está na minha lista de compras...

    Abraços

    Thai

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  6. Como já disse, não tenho muito interesse em livros desse tipo... Mas estão falando tão bem dele por aí que vou acabar me rendendo. usahsauhsausah
    Ótima entrevista! :)
    Beeijos

    Marina - http://distribuindosonhos.blogspot.com

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  7. Adorei a entrevista. É sempre bom saber um pouco mais sobre os autores.
    A personagem que mais gostei foi Anna, mesmo que ela não seja uma das principais. Gostei bastante da sabedoria dela e dos momentos de reflexão e conhecimento que ela apresentou.

    Bjss*
    Gabi Lima
    http://livrofilmeecia.blogspot.com

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  8. Flavia Cristina é uma escritora que vai loooonge! Eu garanto! Acompanho-a desde seu primeiro romance e ela se supera a cada novo que escreve. Tive o privilégio de ler o seu terceiro (ainda como manuscrito) e lhes garanto: é muuuuito bom, com personagens muito bem caracterizados, verossímeis e que encontramos por aí, em nosso cotidiano: humanos, muito humanos e falíveis.

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  9. Flávia é uma mulher muito inteligente.
    Há debates no livro que eu tive de reler para compreender toda a dimensão e não porque fosse difícil - pelo contrário, ela escreve em uma linguagem muito simples - mas porque ela mergulha em questões que a gente, comumente, deixa passar com poucas palavras. Como a ideia de liberdade.

    Adorei ler este livro e quero lê-lo novamente ainda este ano o//

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